terça-feira, 23 de dezembro de 2008

...e começa um novo ano!


Quando finda o ano, somos contagiados com a possibilidade do recomeço. Deixamos aqui o registro de nossos afetos e lembranças...

O ano se finda e tão logo o outro se inicia...
E neste ciclo do ir e vir
O tempo passa... e como passa!
Os anos se esvaem...
E nem sempre estamos atentos ao que
Realmente importa.

Deixe a vida fluir
E perceba entre tantas exigências do cotidiano...
O que é indispensável para você!
Ponha de lado o passado e até mesmo o presente,

Mas não se esqueça dos prazos!


E crie uma nova vida... um novo dia...
Um novo ano que ora se inicia!
Crie um novo quadro para você!
Crie, parte por parte... em sua mente...
Até que tenha um quadro perfeito para o futuro

Ou pelo menos o projeto dele

E assim dê início a uma nova jornada!
Que o levará a uma nova vida, a um novo lar...
E aos novos progressos na vida!
Você logo verá esta realidade, e assim encontrará
A maior Felicidade...e Recompensa...

Assim, neste NOVO ANO que se inicia
Possamos caminhar mais e mais juntos...
Em busca de um mundo melhor, cheio de PAZ,
SAUDE, COMPREENSÃO e MUITO AMOR.

"UM FELIZ 2009"
[Rede]

Aos queridos amigos,

Desejo dias melhores, bem melhores, sempre melhores! Que estejamos juntos para brindar as alegrias e receber com coragem os dias mais ou menos.
Desejo que estudem muito, que dêem muitas risadas, que amem intensamente, que abracem muito, que tomem muita cerveja, que multipliquem os amigos, que descubram novos amores, que ganhem dinheiro (rs!), que dancem até suar, que gritem de alegria e que tenham muitas surpresas deliciosas em 2009! Enfim, desejo todo amor que houver nessa vida!!!!!!
Feliz Dias!!!!!
[Lidiane Leite]

Assino embaixo.
[Catharina]

Também desejo dias melhores do que hoje e muita, muita, saúde para desfrutá-los.
Desejo muito amor, saúde e paz.
[Beth Amaral]

Que maravilha ! desejo o mesmo.
[Mally]

Feliz Natal e um ano novo maravilhoso!
beijo no coração turma.
Muita saúde paz sabedoria para todos nós.
[Wallace]

Há outros dias que não têm chegado ainda,
que estão fazendo-se
como o pão ou as cadeiras ou o produto
das farmácias ou das oficinas
- há fábricas de dias que virão -
existem artesãos da alma
que levantam e pesam e preparam
certos dias amargos ou preciosos
que de repente chegam à porta
para premiar-nos
com uma laranja
ou assassinar-nos de imediato.
Pablo Neruda (Últimos Poemas)
Desejamos que todos os nossos amigos recebam, como presente de Natal, dias preciosos em 2009; saboreados e vividos intensamente.
[Ana Heckert e Beto Aguilera]

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Seminário Mundo Vix | UFES

As inscrições para a participação no Seminário MundoVix se encontram abertas no site do evento:
http://www.vitoria.es.gov.br/hot-sites/mundovix/inscricoes.asp


A Universidade Federal do Espírito Santo, a Rede Universidade Nômade e a Prefeitura Municipal de Vitória convidam-no para participar do Seminário Mundo Vix, a ser realizado nos dias 10 a 12 de dezembro, no auditório Manoel Vereza, no CCJE/UFES e no Teatro Universitário:


MUNDO-VIX
A POLÍTICA DO COMUM: Cidades, Democracia e Globalização
10,11 e 12 de dezembro de 2008
Auditório Manoel Vereza/CCJE e Teatro Universitário
O evento é gratuito e aberto.

Organização:
Departamento de Comunicação Social – UFES
Laboratório de Território e Comunicação - UFRJ
Universidade Nômade
Prefeitura Municipal de Vitória

Coordenação Geral: Giuseppe Cocco Coordenação Técnica: Fábio Malini e Gerardo Silva

PROGRAMAÇÃO

Dia 10


15:00 Abertura Oficial – Auditório Manoel Vereza – CCJE/UFES

A Política do Comum: Cidades, Democracia e Trabalho
A proposta do Seminário Mundo Vix é de pensar os desafios globais a partir de uma realidade municipal e, vice versa, pensar o governo municipal a partir desses desafios globais. O desafio é exaltado pela crise terminal do neoliberalismo e o horizonte de incertezas que se abre. A transformação da crise implica na inovação política da discussão sobre as novas dimensões do trabalho, as lutas e as instituições do comum.

João Coser – Prefeito Municipal de Vitória-ES
Rubens Rasseli – Reitor da UFES

Giuseppe Cocco, UFRJ
Fábio Malini, UFES


16:00 a 19:00 – Auditório Manoel Vereza - CCJE

O trabalho da metrópole: redes de cooperação e precariedade
Se o modo de regulação neoliberal do regime de acumulação que caracteriza o capitalismo cognitivo acaba de desmoronar, as transformações estruturais do trabalho que o caracterizam são irreversíveis. Elas dizem respeito à difusão social nas redes metropolitanas de um trabalho que implica na produção de formas de vida por meio de formas de vida e em um regime de controle que passa pela sua sistemática precarização.

Yann Moulier Boutang: Universidade Tecnológica de Compiègne(França)
Paulo Henrique de Almeida: – UFBa

Debatedor: Giuseppe Cocco – Universidade Nômade e UFRJ
Moderação: Vinicius Wu – Chefe de Gabinete da Secretaria de Reforma do Judiciário.


Dia 11

10:00 a 13:00 - Auditório Manoel Vereza - CCJE

Novos governos e movimentos na América Latina
A América do Sul é atravessada por um ciclo político incomparavelmente aberto aos processos de democratização. Em praticamente todos os países encontramos experiências de governo que são a expressão, pelo menos parcial, da critica social ao neoliberalismo e representam tentativas inovadoras de equacionar o quebra-cabeça da exclusão social e o do crescimento econômico. O que as primeiras edições do Fórum Social Mundial afirmavam com força como horizonte aberto de possibilidades aparece hoje em dia como um terreno concreto de inovação política e institucional. Outros mundos são possíveis e essa potencialidade está sendo experimentada na América Latina.

Raul Prada – Grupo Comuna - Bolívia
César Altamira – Universidade Nômade – Argentina
Oscar Vega – Grupo Comuna- Bolívia

Debatedor: Alexandre Mendes – Universidade Nômade - UERJ
Moderador: Henrique Antoun - ECO/UFRJ

PAUSA ALMOÇO

14:30 a 17:30 - Auditório Manoel Vereza - CCJE

O devir-Mundo do Brasil: Mestiçagem, migrações, racismo
Os temas do combate ao racismo, das migrações e da mestiçagem atravessam os movimentos e marcam novos tipos de conflitos dentro da globalização. Nos Estados Unidos, o movimento dos migrantes ilegais constituiu um dos elementos mais importantes das lutas depois de Seattle, em 1999. A revolta das periferias na França mostrou que o centro é atravessado pelos movimentos da periferia. Nesse novo contexto, o Brasil– com suas dinâmicas mestiças - pode constituir-se em um terreno de inovação social e política.

Giuseppe Cocco –UFRJ
Alexandre do Nascimento – Universidade Nômade, Pré Vestibular para Negros e Carentes / RJ
Leonora Corsini – Universidade Nômade

Debatedor: Ivana Bentes – UFRJ
Moderação : Caia Fittipaldi – Universidade Nômade


18:30 - Auditório Manoel Vereza - CCJE

Conferência 2 : A Metrópole e o Comum
No capitalismo contemporâneo, o novo espaço produtivo é a metrópole e suas redes de trabalho difuso. As dinâmicas metropolitanas misturam produção e reprodução e tem em seu cerne a constituição de formas de vida. A Cidade se constitui, nesse sentido, no terreno privilegiado para pensar a relação nova entre lutas e produção, as condições materiais da construção de um Comum que permita aos fragmentos de se recompor em redes de cooperação, de "fazer multidão".

Michael Hardt – Universidade de Duke – Estados Unidos
Joaquin Herrera Flores – Universidad Pablo Olavide, Sevilla - Espanha

Debatedor: Gerardo Silva – UFRJ


Dia 12

10:00 a 13:00 – TEATRO UNIVERSITÁRIO

As Instituições do Comum na Globalização
A América do Sul é o teatro de um ciclo político virtuoso e diversificado que deu materialidade à palavra de ordem do Fórum Social Mundial de Porto Alegre: "um outro mundo é possível" ! A partir de uma grande diversidade de experiências de movimento e governo, as esquerdas sul-americanas se aventuraram na experimentação institucional de radicalização democrática e na reabertura do debate sobre um horizonte não apenas pós-neoliberal, mas também pós-capitalista.

Antonio Negri – Filósofo – Universidade Nômade – Itália
Álvaro Linera – Vice-Presidente da Bolívia

Moderação : Alberto Kopittke : Assessor Parlamentar

PAUSA ALMOÇO

15:00 – - Auditório Manoel Vereza - CCJE

A Crise Financeira Global
Crise do capitalismo financeiro ou crise do capitalismo contemporâneo tout court? De maneira paradoxal, as teses que separam o capitalismo em duas dimensões, uma que seria "real" diante de uma que seria "fictícia" encontram dificuldades a apreender a crise atual. É a economia como um todo que é abalada e o que está em crise é o regime de acumulação, quer dizer de exploração, de um capitalismo que se valoriza pela captura das formas de vida.

Christian Marazzi – Scuola Professionale - Suíça
Debatedor: Antonio Martins – Le Monde Diplomatique

terça-feira, 18 de novembro de 2008

A Imanência: uma vida... | Giles Deleuze

GILLES DELEUZE
A IMANÊNCIA: UMA VIDA...
O que é um campo transcendental? Ele se distingue da experiência, na medida em que não remete a um objeto nem pertence a um sujeito (representação empírica). Ele se apresenta, pois, como pura corrente de consciência a-subjetiva, consciência pré-reflexiva impessoal, duração qualitativa da consciência sem um eu [moi]. Pode parecer curioso que o transcendental se defina por tais dados imediatos: falaremos de empirismo transcendental, em oposição a tudo que faz o mundo do sujeito e do objeto. Há qualquer coisa de selvagem e de potente num tal empirismo transcendental. Não se trata, obviamente, do elemento da sensação (empirismo simples), pois a sensação não é mais que um corte na corrente da consciência absoluta. Trata-se, antes, por mais próximas que sejam duas sensações, da passagem de uma à outra como devir, como aumento ou diminuição de potência (quantidade virtual). Será necessário, como conseqüência, definir o campo transcendental pela pura consciência imediata sem objeto nem eu [moi], enquanto movimento que não começa nem termina? (Até mesmo a concepção espinosista dessa passagem ou da quantidade de potência faz apelo à consciência).
Mas a relação do campo transcendental com a consciência é uma relação tão-somente de direito. A consciência só se torna um fato se um sujeito é produzido ao mesmo tempo que seu objeto, todos fora do campo e aparecendo como “transcendentes”. Ao contrário, na medida em que a consciência atravessa o campo transcendental a uma velocidade infinita, em toda parte difusa, não há nada que possa revelá-la. Ela não se exprime, na verdade, a não ser ao se refletir sobre um sujeito que a remete a objetos. É por isso que o campo transcendental não pode ser definido por sua consciência, a qual lhe é, no entanto, co-extensiva – mas ela subtrai-se a qualquer revelação.
O transcendente não é o transcendental. Na ausência de consciência, o campo transcendental se definiria como um puro plano de imanência, já que ele escapa à toda transcendência, tanto do sujeito quanto do objeto. A imanência absoluta é em si-mesma: ela não existe em alguma coisa, para alguma coisa, ela não depende de um objeto e não pertence a um sujeito. Em Espinosa, a imanência não existe para a substância, mas a substância e os modos existem na imanência. Quando o sujeito e o objeto, que caem fora do campo de imanência, são tomados como sujeito universal ou objeto qualquer aos quais a imanência é, ela própria, atribuída, trata-se de toda uma desnaturação do transcendental que não faz mais do que reduplicar o empírico (como em Kant), e de uma deformação da imanência que se encontra, então, contida no transcendente. A imanência não está relacionada a Alguma Coisa como unidade superior a toda coisa, nem a um Sujeito como ato que opera a síntese das coisas: é quando a imanência não é mais imanência para um outro que não seja ela mesma que se pode falar de um plano de imanência. Assim como o campo transcendental não se define pela consciência, o plano de imanência não se define por um Sujeito ou um Objeto capazes de o conter.
Diremos da pura imanência que ela é UMA VIDA, e nada diferente disso. Ela não é imanência para a vida, mas o imanente que não existe em nada é, ele próprio, uma vida. Uma vida é a imanência da imanência, a imanência absoluta: ela é potência completa, beatitude completa. É na medida em que ele ultrapassa as aporias do sujeito e do objeto que Fichte, em sua última filosofia, apresenta o campo transcendental como uma vida, que não depende de um Ser e não está submetido a um Ato: consciência imediata absoluta, cuja atividade mesma não remete mais a um ser, mas não cessa de se situar em uma vida. O campo transcendental torna-se então um verdadeiro plano de imanência que re-introduz o espinosismo no mais profundo da operação filosófica. Não é uma aventura semelhante que sobrevém a Maine de Biran, em sua “última filosofia” (aquela que ele estava demasiadamente fatigado para levar a bom termo), quando ele descobria, sob a transcendência do esforço, uma vida imanente absoluta? O campo transcendental se define por um plano de imanência, e o plano de imanência por uma vida.
O que é a imanência? uma vida... Ninguém melhor que Dickens narrou o que é uma vida, ao tomar em consideração o artigo indefinido como índice do transcendental. Um canalha, um mau sujeito, desprezado por todos, está para morrer e eis que aqueles que cuidam dele manifestam uma espécie de solicitude, de respeito, de amor, pelo menor sinal de vida do moribundo. Todo mundo se apresta a salvá-lo, a tal ponto que no mais profundo de seu coma o homem mau sente, ele próprio, alguma coisa de doce penetrá-lo. Mas à medida que ele volta à vida, seus salvadores se tornam mais frios, e ele recobra toda sua grosseria, toda sua maldade. Entre sua vida e sua morte, há um momento que não é mais do que aquele de uma vida jogando com a morte. A vida do indivíduo deu lugar a uma vida impessoal, e entretanto singular, que despreende um puro acontecimento, liberado dos acidentes da vida interior e da vida exterior, isto é, da subjetividade e da objetividade daquilo que acontece. “Homo tantum” do qual todo mundo se compadece e que atinge uma espécie de beatitude. Trata-se de uma heceidade, que não é mais de individuação, mas de singularização: vida de pura imanência, neutra, para além do bem e do mal, uma vez que apenas
o sujeito que a encarnava no meio das coisas a fazia boa ou má. A vida de tal individualidade se apaga em favor da vida singular imanente a um homem que não tem mais nome, embora ele não se confunda com nenhum outro. Essência singular, uma vida...
Não deveria ser preciso conter uma vida no simples momento em que a vida individual confronta o morto universal. Uma vida está em toda parte, em todos os momentos que tal ou qual sujeito vivo atravessa e que tais objetos vividos medem: vida imanente que transporta os acontecimentos ou singularidades que não fazem mais do que se atualizar nos sujeitos e nos objetos. Essa vida indefinida não tem, ela própria, momentos, por mais próximos que sejam uns dos outros, mas apenas entre-tempos, entre-momentos. Ela não sobrevém nem sucede, mas apresenta a imensidão do tempo vazio no qual vemos o acontecimento ainda por vir e já ocorrido, no absoluto de uma consciência imediata. A obra romanesca de Lernet-Holenia coloca o acontecimento em um entre-tempo que pode devorar regimentos inteiros. As singularidades ou os acontecimentos constitutivos de uma vida coexistem com os acidentes d’avida correspondente, mas não se agrupam nem se dividem da mesma maneira. Eles se comunicam entre eles de uma maneira completamente diferente da dos indivíduos. Parece mesmo que uma vida singular pode passar sem qualquer individualidade ou sem qualquer outro concomitante que a individualize. Por exemplo, as crianças bem pequenas se parecem todas e não têm nenhuma individualidade; mas elas têm singularidades, um sorriso, um gesto, uma careta, acontecimentos que não são características subjetivas. As crianças bem pequenas, em meio a todos os sofrimentos e fraquezas, são atravessadas por uma vida imanente que é pura potência, e até mesmo beatitude. Os indefinidos de uma vida perdem toda indeterminação na medida em que eles preenchem um plano de imanência ou, o que vem a dar estritamente no mesmo, constituem os elementos de um campo transcendental (a vida individual, ao contrário, continua inseparável das determinações empíricas). O indefinido como tal não assinala uma indeterminação empírica, mas uma determinação de imanência ou de uma determinabilidade transcendental. O artigo indefinido não é a indeterminação da pessoa a não ser na medida em que é a determinação do singular. O Uno não é o transcendente que pode conter mesmo a imanência, mas o imanente contido em um campo transcendental. O Uno é sempre o índice de uma multiplicidade: um acontecimento, uma singularidade, uma vida... Pode-se sempre invocar um transcendente que recai fora do plano de imanência, ou mesmo que atribui imanência a si próprio: permanece o fato de que toda transcendência se constitui unicamente na corrente de consciência imanente própria a seu plano. A transcendência é sempre um produto de imanência.
Uma vida não contém nada mais que virtuais. Ela é feita de virtualidades, acontecimentos, singularidades. Aquilo que chamamos de virtual não é algo ao qual falte realidade, mas que se envolve em um processo de atualização ao seguir o plano que lhe dá sua realidade própria. O acontecimento imanente se atualiza em um estado de coisas e em um estado vivido que fazem com que ele aconteça. O plano de imanência se atualiza, ele próprio, em um Objeto e um Sujeito aos quais ele se atribui. Mas, por mais separáveis que eles sejam de sua atualização, o plano de imanência é, ele próprio, virtual, na medida em que os acontecimentos que o povoam são virtualidades. Os acontecimentos ou singularidades dão ao plano toda sua virtualidade, como o plano de imanência dá aos acontecimentos virtuais uma plena realidade. O acontecimento considerado como não-atualizado (indefinido) não carece de nada. É suficiente colocá-lo em relação com seus concomitantes: um campo transcendental, um campo de imanência, uma vida, singularidades. Uma ferida se encarna ou se atualiza em um estado de coisas e em um vivido; mas ela própria é um puro virtual sobre o plano de imanência que nos transporta em uma vida. Minha ferida existia antes de mim... Não uma transcendência da ferida como atualidade superior, mas sua imanência como virtualidade, sempre no seio de um milieu (campo ou plano). Há uma grande diferença entre os virtuais que definem a imanência do campo transcendental, e as formas possíveis que os atualizam e que os transformam em alguma coisa de transcendental.

Tradução disponível em: www.freewebtown.com
Outra tradução possível em: Vasconcellos, J., Fragoso, E. A. da R. (Org.). "Gilles Deleuze: Imagens de um filósofo da Imanência". Londrina: Ed. UEL, 1997.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Subjetividade... | Machado; Gottardi; Pinheiro

[p.1]*
SUBJETIVIDADE E PROCESSO DE CRIAÇÃO NA ESCRITA:
UM SOPRO DE VIDA [1].

Para citar este trabalho:
MACHADO, Leila Aparecida Domingues; GOTTARDI, Denise Pesca Pereira PINHEIRO, J. A. C. Subjetividade e processo de criação na escrita: um sopro de vida. In: IV Colóquio Internacional de Filosofia e Educação, 2008, Rio de Janeiro. IV Colóquio Franco-Brasileiro de Filosofia e Educação: “Filosofia, experiência, aprendizagem”. Rio de Janeiro: UERJ, 2008. v.1
Leila Aparecida Domingues Machado
Denise Pesca Pereira Gottardi
Janayna Araújo Costa Pinheiro
Universidade Federal do Espírito Santo – UFES
CAPES

RESUMO:
Na atualidade, as sociedades se constituem como grandes fábricas de subjetividade. Os fluxos da máquina capitalista nos invadem e nos corrompem incessantemente. Assumimos determinadas formas de pensar, trabalhar e escrever. A questão que aqui se coloca é que não pensamos essas formas como provisórias. Faz-se necessário avaliar nossas práticas e, nesse contexto, nossa escrita. A experiência da escrita na contemporaneidade nos convoca a pensar sobre como a produzimos, no que a mortifica e a potencializa. A escrita intimista, representativa da realidade, cópia de um mundo dado, constitui-se como dispositivo de controle que incide sobre a subjetividade, fabricando formas capturadas de escrever. Mas, em resposta, é na própria subjetividade que precisamos criar movimentos de invenção que escapem aos controles que insistem em nos cristalizar. Escrita errante, móvel, nômade, que substitui a intimidade do “eu” pela presença de um impessoal. A presente proposta de comunicação enfoca uma discussão acerca do processo de criação na escrita como meio de produção de outros modos de existência, de dissolução de formas dadas e cristalizadas, e de transformação do si e do mundo. Pensamos o ato de escrever como veículo de criação de novos modos de subjetivação, como movimento instituinte que ao se atualizar, ao configurar uma dada forma-subjetividade, concebe e pratica a vida como obra de arte. A escrita pela perspectiva analítica de Deleuze constitui-se como um caso de devir, como um processo de singularização. Pensamos a escrita como uma experiência que possa produzir disparidade nos conceitos e os jogue na imanência do que afirmam. Apostamos na escrita com uma função autopoiética, ou seja, uma escrita com função estética e política de criação de si. Não se trata de criação de “eus”, nem mesmo de demarcação de autorias, mas do encontro com a alteridade, um outramento que desmancha os modelos que reproduzimos e naturalizamos. Pelo encontro intensivo com a alteridade, uma dissonância é produzida nas referências em vigor. Porém é nesse momento que ocorre uma intensa mobilização das potências de criação e de resistência, uma necessidade de criar novos territórios e mapas, com o objetivo de dar corpo à mudança que se operou. A escrita pode dar forma a essa nova composição. Assim, pensamos o ato de escrever como um dispositivo que possa operar múltiplas resistências em detrimento da ação de reforçar os dispositivos de poder.
Palavras-chave: Escrita. Criação. Processos de Subejtivação.

[p.2]RÉSUMÉ:
Actuellement les sociétés se constituent comme de grandes fabriques de subjectivité. Les flux de la machine capitalistique nous envahissent et nous corrompent incessantement. Nous supposons certaines formes de penser, travailler et écrire. La question qu’ici se pose est que nous ne pensons pas ses formes comme provisoires. Il se fait nécessaire évaluer nos pratiques et, dans ce contexte, notre écriture. L’expérience de l’écriture, dans la vie contemporaine, nous convoque à penser comment nous la produisons, ce que la mortifie et la rend puissante. L’écriture intimiste, représentative de la réalité, copie d’un monde donnée, se constitue comme un dispositif de contrôle qui incide sur la subjectivité, fabriquant de formes capturée d’écrire. Mais, sous forme de réponse, c’est dans la propre subjectivité que nous devons crée des mouvements d’invention qui échappent aux contrôles qui insistent nous cristalliser. Ecriture errante, mobile, nomade, qui substitue l’intimité de « moi » par la présence d’un impersonnel. La présente proposition de communication focalise une discussion concernant le processus de création dans l’ecrite comme moyen de production d’autre moyen d’existence, de dissolution de formes données et cristallisés, et de transformations de soi et du monde. Nous pensons l’acte d’écrire comme véhicule de création d’un nouveau mode de subjectivation, comme mouvement instituant qu’au momment de s’actualiser, se configurer une tel forme-subjectivité, qui concoit et pratique la vie comme oeuvre d’art. L’écriture par la perspective analytique de Deleuze se constitue como un cas de devir, comme un processus de singularisation. Nous pensons à l’écriture comme une expérience qui puisse produire disparité dans les concepts et qui les jette dans l’immanence de ce qu’ils affirment. Nous parions une écriture avec une fonction autopoièse, c’est à dire, une écriture avec fonction esthétique et politique de création de soi même. Il ne sagit pas de création de « eus », ni de demarcation d’autorité mais de la rencontre intensive avec altérité, un autre qui desorganise les modèles que nous reproduisons et naturalisons. Par la rencontre intensive avec l’altérité, une dissonance est produite dans les références en vigueur. Néanmoins c'est à ce moment qui se produit une intense mobilisation des pouvoirs de création et de résistance, une nécessité de créer de nouveaux territoires et cartes, avec l'objectif de donner corps au changement qui s'est opéré. L’ écriture peut donner forme à cette nouvelle composition. Ainsi, nous pensons l'acte d'écrire comme un dispositif qui puisse opérer de multiples résistances au détriment de l'action de renforcer les dispositifs de pouvoir.
Mots clé: écriture, création, processus de subjectivation.


O que é que eu sou? sou um pensamento. Tenho em mim o sopro? tenho? mas quem é esse que tem? quem é que fala por mim? tenho um corpo e um espírito? eu sou um eu? “É exatamente isto, você é um eu”, responde-me o mundo terrivelmente” (LISPECTOR, 1978, p. 17).

Ao pensarmos em nossas vidas, em nossa singular história de vida, acreditamos na existência de um eu, de uma individualidade, algo interior, em separado do suposto exterior, o mundo. “Eu sou individual como um passaporte. Eu sou fichada no Félix Pacheco. Devo me orgulhar de pertencer ao mundo ou devo me desconsiderar por?” (LISPECTOR, 1978, p.39).
Não pensamos a nós como uma rede constituída por tudo aquilo que nos perpassa, como essa composição provisória de finitos materiais de expressão em ilimitadas combinações. Parece difícil imaginarmos nosso “eu” como algo tão incerto, provisório e instável. O medo do [p.3]desconhecido nos mantém presos a uma mesma forma da qual não estamos dispostos a abrir mão.
“Não encontro resposta: sou. É isto apenas o que me vem da vida. Mas sou o quê? a resposta é apenas: sou o quê. Embora às vezes grite: não quero mais ser eu!! mas eu me grudo a mim e inextricavelmente forma-se uma tessitura de vida” (LISPECTOR, 1998, p. 20.).

Então, o fluxo da máquina capitalista nos invade e nos corrompe incessantemente. Percorrendo tudo, todos, cada um de nós, estancando o fluxo desejante e delimitando-o na vontade de se dizer “eu”.
E se eu digo “eu” é porque não ouso dizer “tu”, ou “nós” ou “uma pessoa”. Sou obrigada à humildade de me personalizar me apequenando mas sou o és-tu. (LISPECTOR, 1998, p. 12).

A noção de subjetividade, pensada a partir da perspectiva proposta por Foucault, Guatarri e Deleuze, nos conduz ao questionamento do dualismo clássico sujeito-objeto, corpo-alma, individual-social. Esta noção aposta na idéia de que a exterioridade não está separada da interioridade, como também não faz apologia à unidade e nem à uniformidade. “Essa identidade me leva a algum caminho? Que faço de mim? Pois nenhum ato me simboliza” (LISPECTOR, 1978, p.33).
Acabamos por considerar uma dada forma-subjetividade, que é contemporânea, como algo não variável, esquecemo-nos de sua produção histórica. Ao falar de subjetividades “propomos uma distinção entre modos de subjetivação - processos de subjetivação ou modos de existência - e formas-subjetividade – enquanto aspectos presentes na constituição da subjetividade” (MACHADO, 1999, p.1, grifo do autor). Referem-se, o primeiro, ao intempestivo, ao devir, à dissolução das formas; enquanto o segundo, ao estado das coisas, às formas em si. Assim se dá um movimento que nos atravessa no dia-a-dia, no trajeto de um lugar a outro, ou ainda de um pensamento a outro. “(...) divido-me milhares de vezes em tantas vezes quanto os instantes que decorrem, fragmentária que sou e precários os momentos (...)” [2].
A subjetividade, pensada como uma rede formada por dobras, nos fala de territórios [p.4]existenciais. As dobras[3] envolvem formas-subjetividade e modos de subjetivação que conferem sentido para o que denominamos desejo, ciência, trabalho etc. Em cada momento histórico, determinadas configurações dessa rede se fazem presentes. Assumimos, então, determinadas formas de sentir, de desejar, de viver. A questão que aqui se coloca é que não pensamos essas formas como provisórias, como passíveis de assumir outras, abertas para o desconhecido, para o imprevisível da vida. “(...) a vida é esse instante incontável, maior que o acontecimento em si (...) o próximo instante é o desconhecido. O próximo instante é feito por mim? ou se faz sozinho? Fazemo-lo juntos com a respiração”[4] .
Os processos de subjetivação atravessam cada um, todo mundo, toda gente, toda parte. Nesse processo, o tempo todo afetamos e somos afetados. Neles ressoam potências de vida e mortificações. No movimento entre formas-subjetividade e modos de subjetivação deslizamos entre o que faz viver e o que deixa morrer. “Esquecer-se de si mesmo e no entanto viver tão intensamente” (LISPECTOR, 1978, p.13).
Desse modo, “precisamos experimentar uma análise do que estamos vivendo que incite a criação de soluções provisórias para o campo problemático que enfrentamos” (MACHADO, 2004a). Torna-se necessário avaliar nossas práticas e, neste contexto, nossa escrita. Se o biopoder[5] se apossa de nossas vidas, regularizando suas eventualidades, criando e recriando formas capturadas de pensar, de trabalhar, de escrever, é preciso, então, inventar outras possibilidades de pensamento, de trabalho e de escrita. “Entro lentamente na escrita (...). É um mundo emaranhado de cipós, sílabas, madressilvas, cores e palavras”[6] . “E se tenho aqui que usar-te palavras, elas têm que fazer um sentido quase que só corpóreo (...)”[7] . Pois quando escrevo, “escrevo muito simples e muito nu” [8].
A escrita intimista, representativa da realidade, cópia de um mundo dado, constitui-se como dispositivo de controle que incide sobre os processos de subjetivação fabricando formas [p.5]capturadas de escrever. Mas, em resposta, é no próprio processo de subjetivação que precisamos criar movimentos de invenção de escrita que escapem aos controles que insistem [insistimos] em nos cristalizar. Escrita errante, móvel, nômade, que substitui a intimidade do sujeito pelo Fora da linguagem [9].
Escrever, a exigência de escrever: não mais a escrita que sempre se pôs (por uma necessidade nada evitável) a serviço da palavra ou do pensamento dito idealista, ou seja, moralizante, mas a escrita que, por sua força própria lentamente liberada (força aleatória de ausência), parece consagrar-se apenas a si mesma, permanecendo sem identidade e, pouco a pouco, libera possibilidades totalmente diferentes, um jeito anônimo, distraído, diferido e disperso de estar em relação, um jeito por intermédio do qual tudo é questionado (...) (BLANCHOT, 2001, p.8).

O trajeto da escrita pode acontecer após a leitura de alguns textos, ao escutar uma música, ao assistir a um filme ou programa de TV, encontros que nos afetam e disparam uma ou outra idéia; dessas leituras podem emergir devaneios. Preferimos chamá-los devaneios, pois não se organizam como o “eu” gostaria. As idéias não saem prontas para formar um texto como estabelecido: com início, meio e fim. “(...) não começa pelo princípio, começa pelo meio, começa pelo instante de hoje” [10]. Esse vago pensamento não se apreende, surge como um sopro, como uma brisa ou uma ventania, um movimento intenso que nos afeta. As leituras que assim experimentamos agem com violência, nos tocam e produzem estranhamento e, então, se dá um encontro que nos força a pensar. Pois como afirma Deleuze (1987), pensar é sempre decifrar um signo, implica uma violência no pensamento, algo que o tira de seu natural estupor, das possibilidades abstratas. Mas é preciso predispor-se ao seu encontro, expor-se à sua violência. “(...) como escrever de tal maneira que a continuidade do movimento da escrita possa deixar intervir fundamentalmente a interrupção como sentido e a ruptura como forma?”[11] . Essa postura, sempre política, constitui-se como resistência, como a criação de uma linha de fuga nesse processo de escrita capturado – representativo e reprodutivo.
Quando vieres a me ler perguntarás por que não me restrinjo à pintura e às minhas exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. É que agora sinto necessidade de palavras – e é novo para mim o que escrevo (...). Lê então o meu invento de pura vibração sem significado senão o de cada esfuziante sílaba. (LISPECTOR, 1978, p.10-11).

[p.6]Segundo Deleuze (1997), escrever é um caso de devir, é um processo, uma possibilidade de singularidade no mais alto grau. Não é impor uma forma a uma matéria vivida, mas extravasar o vivido. Escrever não é contar as próprias lembranças, os sonhos, é descobrir sob as aparentes pessoas a potência de um impessoal, que não é generalidade, mas singularidade[12]. A escrita só começa quando nasce em nós uma terceira pessoa que nos destitui do poder de dizer “eu”. “Não se escreve com as próprias neuroses” [13].
Não é confortável o que te escrevo. Não faço confidências (...). E não te sou e me sou confortável; minha palavra estala no espaço do dia (LISPECTOR, 1998, p.16).

Eu me ultrapasso abdicando de mim e então sou o mundo: sigo a voz do mundo, eu mesma de súbito com voz única. O mundo: um emaranhado de fios telegráficos em eriçamento (LISPECTOR, 1998, p.23).

Através da escrita torna-se possível traçar uma língua estrangeira, um devir-outro da língua, uma minoração dessa língua maior. A escrita, portanto, pode ser concebida como esse lócus de produção, de criação. Utilizá-la como meio apenas de reprodução é fazê-la abandonar todo papel criador. “A escrita pode ter uma função autopoiética, ou melhor, uma função estética e política de criação de si” (MACHADO, 2004b)[14] e do mundo. Não se trata de criação de “eus”, mas de se mostrar um anonimato, um impessoal em meio aos eus, criando, assim, uma abertura, uma produção de diferenças, um desmanchar de modelos dados, reproduzidos e naturalizados. O desafio se constitui como um convite à transformação de si em meio à própria escrita. “Uma escrita que possa produzir disparidades nos conceitos, que os jogue na própria imanência do que afirmam” [15].
Ao escrevê-lo não me conheço, eu me esqueço de mim. Eu que apareço neste livro não sou eu. Não é autobiográfico (...). Nunca te disse e nunca te direi quem sou. Eu sou vós mesmos (LISPECTOR, 1978, p.19).

Eu e objeto / eu objeto / objeto eu / linha que inscreve / linha de contorno / sobre o mesmo plano / mundo, vida, discurso / dizível, indizível, visível, invisível / ferramentas que constituem o contorno / o desenho de uma cena / embaralham-se as linhas / outra cena. Uma seqüência de palavras que produzem um movimento onde o “eu” e o “objeto” se fundem e se distanciam pela linha do desenho da escrita. E não definem nem um e nem outro (nem [p.7]desenho nem escrita). E não tornam um e outro, como num somatório. O encontro constitui uma cena, que não se refere a um ou ao outro, antes forja uma outra via, engendra uma alteridade [16]. Ao debruçar-se sobre o papel em branco, ou sobre a tela branca do computador, como deixar emergir em nós esse terceiro? Como deslizar entre as linhas de força que nos atravessam e destituir-se do poder de dizer “eu”? “Construo algo isento de mim e de ti” (LISPECTOR, 1998, p.16).
Os processos de subjetivação são composições que criamos a partir do que vivemos em nosso cotidiano[17] . Pensar a escrita é pensar como, cada um de nós, em cada ato, pode fazer funcionar dispositivos atrelados a linhas duras, sedentárias, de conformação e captura, bem como, a linhas de resistência, a linhas de fuga, a linhas que criem fissuras em meio aos regimes de dominação a partir das composições que se fazem. “Estou caindo no discurso? Que me perdoem os fiéis do templo: eu escrevo e assim me livro de mim e posso então descansar” [18].
Criar linhas de resistência é criar “imprevisibilidades no que parecia previsível, incertezas no que parecia certo, possibilidades no que parecia impossível, fugas no que estava capturado” (MACHADO, 2008b). É estar “fora de nossos interesses particulares, de nossas certezas”. É estar aberto ao indeterminável, ao indizível, ao impensado. É preciso estar disponível ao encontro com o inesperado, com o intempestivo. É produzir através da escrita, dessa potência de transformação de si e do mundo, linhas de resistência, criação de outras possibilidades de escrita, outras possibilidades de vida. É fazer da escrita um processo de singularização, um encontro com a alteridade, um outramento.
Se na multidão, o ser é de fuga, é que o fato de pertencer à fuga faz do ser uma multidão, uma multiplicidade impessoal, uma não-presença sem sujeito: o eu único que sou dá lugar a uma indefinição paradoxalmente sempre crescente que me carrega e me dissolve na fuga (BLANCHOT, 2001, p. 57).

É preciso resistir a dizer “eu”, tentar mais de uma vez, cansar os olhos em frente à tela do computador, refazer as palavras, insistir no devaneio.
O principal a que eu quero chegar é surpreender-me a mim mesmo com o que escrevo. Ser tomado de assalto: estremecer diante do que nunca foi dito por mim (LISPECTOR, 1978, p. 70).

[p.8]Após o impacto da página em branco e uma aparente morte súbita do devaneio, a folha se deixa deslizar pelo olhar, as palavras vibram para traçar um desenho. Um sentido se delineia. Entre uma e outra palavra pode pulsar um desejo de se soltarem, de se expandirem em meio à potência de criação. Empurrarem-se para prosseguir um trajeto aleatório sobre a página, produzir conexões, rachaduras, misturas, hibridismos, distanciamentos. “Quando eu escrevo, misturo uma tinta e outra, e nasce uma nova cor” (LISPECTOR, 1978, p.69).
Por esse encontro intensivo com a alteridade, uma dissonância pode ser produzida nas referências em vigor: desmorona-se um território. Porém é nesse momento que ocorre uma intensa mobilização das potências de criação e de resistência, uma “necessidade de criar novos territórios e mapas, com o objetivo de dar corpo à mudança que se operou no corpo vibrátil [19]” (ROLNIK, 2003, p.19).
Cada palavra, cada projeto novo causa espanto: meu coração está espantado. É por isso que toda a minha palavra tem um coração onde circula sangue (LISPECTOR, 1978, p. 16).

O devaneio escapou pelos dedos agitando uma vibração entre as palavras ousando ocupar as páginas em branco. Pausa na escrita e volta-se ao início do texto, o olho percorre as linhas e tenta acompanhar o movimento das palavras no papel. Tenta, pois as palavras ainda pulsam, e para não deixar escapar a idéia, lê novamente.
Estou consciente de que tudo o que sei não posso dizer, só sei pintando ou pronunciando silabas cegas de sentido. E se tenho aqui que usar-te palavras, elas têm que fazer um sentido quase que só corpóreo, estou em luta com a vibração última. (LISPECTOR, 1998, p. 11).

Dar corpo a essas mudanças constitui-se mesmo como o ato de criar. Pensar a criação como essa produção de diferença, corporificação no visível das diferenças que vão se engendrando no invisível (ROLNIK, 1992). A escrita dá forma a essa composição, a esse outro modo de existência que vai ganhando contornos. O ato de escrever se torna, então, veículo de criação de outros modos de subjetivação, movimento instituinte que ao se atualizar, ao configurar uma dada forma-subjetividade, infla de vida as páginas em branco forçando em nossa existência a experiência de uma vida como obra de arte.
Eu sou o atrás do pensamento. Escrevo no estado de sonolência, apenas um leve contato do que estou vivendo em mim mesma e também uma vida inter-relacional. Ajo como uma sonâmbula. No dia seguinte não [p.9]reconheço o que escrevi. Só reconheço a própria caligrafia. E acho certo encanto na liberdade das frases, sem ligar muito para uma aparente desconexão (LISPECTOR, 1978, p 70).

O instante em que somos tomados pelo ‘sonambulismo’ acontece num tempo e espaço que não controlamos. Muitas vezes, não nos deixamos ser tomados pela velocidade do devaneio, mas pela velocidade da máquina capitalista. O tempo do devaneio não segue a cronologia do relógio. Ele escapa por entre os dedos, como esse presente[20] . “O que falo é puro presente (...). é sempre atual (...) mesmo que eu diga ‘vivi’ ou ‘viverei’ é presente porque eu os digo já[21]
O olhar re-visita o texto sem que tenha o dever de reconhecer nas palavras um sentido prévio, para então ler. “Nada é mais doloroso, angustiante, do que um pensamento que escapa a si mesmo, idéias esboçadas, já corroídas pelo esquecimento ou precipitadas em outras, que também não dominamos” (DELEUZE, 1992, p. 259).
A escrita exige de nós um ‘jorrar do tempo’ (PELBART, 1993). Um tempo que não temos. No entanto, não interessa libertar-se do tempo, mas liberá-lo (PELBART, 1993). Procuramos, aqui, andar na contra-mão do capitalismo e das exigências do saber/conhecimento. Para escrever é preciso entrar na velocidade do pensamento, deixar que o devaneio tome corpo. Entretanto, como pensar essa escrita como uma potência e não torná-la parte dos dispositivos de dominação/captura? Os encontros produzidos nesse processo não são bons nem maus em si, mas disparadores de potências. “E quero capturar o presente que pela sua própria natureza me é interdito: o presente me foge, a atualidade me escapa, a atualidade sou eu sempre no já”[22] .
Neste momento, pensando o ato de escrever como um dispositivo que pode operar múltiplas resistências em lugar da ação de reforçar os dispositivos de poder, indaga-se: Que possíveis temos criado para a escrita, para a vida? Que escolhas temos feito? Nossa escrita reforça e reproduz o instituído, ou realiza um movimento de produção de novos modos de se estar no mundo, um movimento instituinte? Afinal, por meio da escrita, o “que estamos ajudando a fazer de nós mesmos” [23]? “(...) estou tentando escrever-te com o corpo todo, enviando uma seta que se finca no ponto tenro e nevrálgico da palavra”[24] . Palavra que “(...) não se apresenta [p.10]mais como uma palavra, mas como uma visão liberta das limitações da visão. Não uma maneira de dizer, mas uma maneira transcendente de ver” [25].
Na perspectiva de Foucault, os exercícios de poder que circulam e que produzem formas capturadas de escrever não operam prioritariamente por repressão, ao contrário, justamente para que se mantenham e sejam aceitos, os exercícios de poder, exercidos por cada um de nós, produzem, criam escritas. Configuram-se como uma rede produtiva que percorre e transversaliza todo o corpo social, muito mais que uma instância negativa que tem por função reprimir. Assim, fazem funcionar de forma naturalizada normas referentes a padrões de escrita, criando formas e fôrmas para a mesma. “Que mal porém tem eu me afastar da lógica? (...) Inútil querer me classificar: eu simplesmente escapulo não deixando, gênero não me pega mais”[26] .
É preciso pensar a escrita como um veículo que faz circular essa produção, como um dispositivo que alimenta (ou não) essa engrenagem. Essa produção em meio à escrita pode estar ligada a sistemas de poder que a produzem e a apóiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem, circularmente. Esse regime de produção capturado é condição de formação e desenvolvimento do sistema capitalista. “Eu queria iniciar uma experiência e não apenas ser vítima de uma experiência não autorizada por mim, apenas acontecida” [27].
Acreditamos, assim, que apostar em novas produções subjetivas em meio à escrita faz parte de uma militância micropolítica. O processo de criação na escrita faz parte de uma constituição ético-estético-política de nós mesmos. Cabe-nos, portanto, avaliar se ativas e produtoras de outros modos de vida ou se reativas e reprodutoras das forças do capital.
Escrever, então, passa a ser uma responsabilidade terrível. Invisivelmente, a escrita é convocada a desfazer o discurso no qual, por mais infelizes que nos acreditemos, mantemo-nos, nós que dele dispomos, confortavelmente instalados. Escrever desse ponto de vista, é a maior violência que existe, pois transgride e Lei, toda lei e sua própria lei (BLANCHOT, 2001, p.9).


NOTAS:
[1] LISPECTOR, Clarice, 1978. Título da obra: “Um sopro de vida”.
[2] LISPECTOR, 1998, p.10.
[3] As dobras constituem formas provisórias, “como um lenço que rola na areia e vai formando desenhos variados ao sabor do vento” (...) “Uma espécie de um dentro que não é fechado e que continua sendo parte de um fora-rede” (MACHADO, 1999, p.212).
[4] LISPECTOR, 1998, p.9-10.
[5] “Foucault distingue duas formas de ação sobre a vida e sobre a morte: o poder soberano e o poder de regulamentação ou biopoder” (MACHADO, 2008). O biopoder é um poder que visa controlar a vida das multidões, criando formas de viver. Controlar a vida seria “tomar posse dela; regularizando seus acidentes; criar e recriar formas cotidianas de pensar, de trabalhar, de falar, de ver, de amar, enfim, formas de viver que equilibrem os riscos” (MACHADO, 2004).
[6] LISPECTOR, 1998, p.14.
[7] Ibid, p.11.
[8] LISPECTOR, 1978, p.14.
[9] O conceito de Fora foi criado por Maurice Blanchot a fim de problematizar o processo de escrita. Desconstrói a idéia de literatura como representativa do mundo e propõe que a literatura seja a instauração de novos mundos. Cf. GIROTTO, Nara Lúcia. Blanchot, Foucault e Deleuze: convergências entre a palavra literária, a experiência do Fora e o impensado. Disponível em: http://www.unisc.br/cursos/pos_graduacao/mestrado/letras/anais_2coloquio/convergencias_palavra_literaria.pdf. Acesso em: 03 abr 2008.
[10] LISPECTOR, 1978, p.25.
[11] BLANCHOT, 2001, p. 37.
[12] A singularidade é aqui pensada como “processo de singularização”. Segundo Guattari e Rolnik (1986) o que caracteriza um processo de singularização “é que ele seja automodelador. Isto é, que ele capte os elementos da situação, que construa seus próprios tipos de referências práticas e teóricas, sem ficar nessa posição constante de dependência em relação ao poder global (...)”.
[13] DELEUZE, 1997, p. 13.
[14] Cf. a noção de si em MACHADO (1999, p.150) nota de rodapé.
[15] MACHADO, 2004b.
[16] A alteridade é aqui entendida como dimensão na qual se opera uma permanente produção de diferença. O efeito disso é uma complexificação cada vez maior do mundo (ROLNIK, 1992).
[17] MACHADO, 2008a.
[18] LISPECTOR, 1978, p.20.
[19] Segundo Rolnik (2006, p.31) o corpo vibrátil é “(...) todo aquele seu corpo que alcança o invisível. Corpo sensível aos efeitos dos encontros dos corpos e suas reações (...)”.
[20] Peter Pál Pelbart (1993, p. 35) cita Oury para explicar dois tipos de tempo existentes no grego antigo, o aion, que é esse presente que faz jorrar de dentro de si o tempo, e o kairos, que é o momento adequado, o bom momento para decidir e fazer.
[21] LISPECTOR, 1998, p.17.
[22] Ibid, p.9.
[23] ORLANDI, 2002.
[24] LISPECTOR, 1998, p.12.
[25] BLANCHOT, 2001, p. 68.
[26] Ibid, p. 13.
[27] LISPECTOR, 1978, p.18.


[p.11]REFERÊNCIAS:
BLANCHOT, Maurice. A conversa infinita / Maurice Blanchot; tradução: Aurélio Guerra Neto. – São Paulo: Escuta, 2001.
DELEUZE, Gilles. Proust e os signos / Gilles Deleuze; tradução de Antonio Carlos Piquet e Roberto Machado – Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.
______. O que é filosofia? / Gilles Deleuze, Félix Guattari; tradução de Bento Prado Jr. E Alberto Alonso Muñoz. – Rio de Janeiro: Ed. 34.1992, 288p. (Coleção TRANS), p. 259-279.
______. A literatura e a vida. In:________. Crítica e Clínica. Rio de Janeiro: Editora 34, 1997. p.11-16.
FOUCAULT, Michel. Isto não é um cachimbo. Tradução de Jorge Coli. 4.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
______. Microfísica do Poder. 25ª. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Subjetividade e história. In: Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1986. p. 25-126.
LISPECTOR, Clarice. Um sopro de vida: pulsações. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
______. Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
MACHADO, Leila Aparecida Domingues. O que chamamos clínica? (no prelo). In: ROSA, Edinete Maria. (Org.). A produção da Psicologia Social no Espírito Santo: memórias, interfaces e compromissos. 1 ed. Vitória: EDUFES, 2008, v. 1, p. 1-15.
______. Políticas de subjetivação (no prelo). In: MANFROI, Vania Maria; MENDONÇA, Luiz Jorge Vasconcelos Pessoa. (Org.). Política Social, Trabalho e Subjetividade. 1 ed. Vitória: EDUFES, 2008, v. 1, p. 1-18.
______. Capitalismo e configurações subjetivas. In: Maurício Abdalla; Maria Elizabeth Barros de Barros. (Org.). Mundo e sujeito: aspectos subjetivos da globalização. 1ª ed. São Paulo: Paulus, 2004, v. 1, p. 164-172.
______. O desafio ético da escrita. Psicologia & Sociedade, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 146-150, 2004.
______. Subjetividades Contemporâneas. In: Maria Elizabeth Barros de Barros. (Org.). Psicologia: questões contemporâneas. Vitória: EDUFES, 1999, v., p. 211-229.
______. Ética. In: Maria Elizabeth Barros de Barros. (Org.). Psicologia: questões contemporâneas. Vitória: EDUFES, 1999, v., p. 145-161.
MACHADO, Leila Aparecida Domingues ; LAVRADOR, Maria Cristina Campello . Loucura e Subjetividade. In: Leila Domingues Machado; Maria Cristina Campello Lavrador; Maria Elizabeth Barros de Barros. (Org.). Texturas da Psicologia: subjetividade e política no contemporâneo. 1ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002, v. 1, p. 45-58.
ORLANDI, Luiz B. L. Que estamos ajudando a fazer de nós mesmos? 2002. Disponível em: http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/orlandi/que_estamos_ajudando.pdf. Acesso em: 20-06-2008.
PELBART, Peter Pál. A nau do tempo-rei: sete ensaios sobre o tempo da loucura/ Peter Pál Pelbart. — Rio de Janeiro: Imago Ed., 1993. 132 p.
ROLNIK, Suely. À sombra da cidadania: alteridade, homem da ética e reinvenção da democracia.1992. Disponível em: www.pucsp.br/nucleodesubjetividade. Acesso em: 09-09-2007.
______. Alteridade a céu aberto: o laboratório poético-político de Maurício Dias & Walter Riedweg. 2003. Disponível em: www.pucsp.br/nucleodesubjetividade. Acesso em: 04-04-2008.
______. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo / Suely Rolnik – Porto Alegre: Sulinas. Editora da UFRGS, 2006.
[*paginação]

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O Abecedario de Gilles Deleuze.


O Abecedário de Deleuze, como é chamado, configura-se uma série de temas/questões que seguem a ordem das letras do abecedário francês. Tais questões foram feitas por Claire Parnet, em 1988, a Gilles Deleuze e registradas em vídeo. E conforme acordado, divulgadas somente após sua morte.
Quanto ao vídeo, é possível ter acesso a ele através do You Tube, porém em fragmentos, ou seja, uma letra/tema está dividida em partes. Encontra-se também no site agitkom.net.
As letras conferem os seguintes temas:
A de Animal
B de Beber
C de Cultura
D de Desejo
E de Enfance [Infância]
F de Fidelidade
G de Gauche [Esquerda]
H de História da Filosofia
I de Idéia
J de Joie [Alegria]
K de Kant
L de Literatura
M de Maladie [Doença]
N de Neurologia
O de Ópera
P de Professor
Q de Questão
R de Resistência
S de Style [Estilo]
T de Tênis
U de Uno
V de Viagem
W de Wittgenstein
X de Desconhecido
Y de Indizível
Z de Ziguezague

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A VIDA COMO OBRA DE ARTE: PRÁTICAS E INTERFERÊNCIAS


Universidade Federal Fluminense - UFF
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia - ICHF
Programa de Pós-Graduação em Psicologia


A VIDA COMO OBRA DE ARTE: PRÁTICAS E INTERFERÊNCIAS

DATA: 13 e 14 de novembro de 2008.
LOCAL: Auditório ICHF, 2º andar, Bloco O – Campus Gragoatá - UFF


P R O G R A M A Ç Ã O


DIA 13/11 – QUINTA-FEIRA

9:30 – 10:00 - ABERTURA OFICIAL DO EVENTO
Cristina Rauter (Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFF)
Silvia Josephson (Chefe do Departamento de Psicologia da UFF)
Francisco Palharini (Diretor do ICHF)

10:00 – 12:00 – IMAGEM E SUBJETIVIDADE
Luiz Antonio Baptista - UFF
Consuelo Lins – cineasta e professora da ECO - UFRJ
João Jardim – cineasta
Luame Cerqueira - UERJ

12:00 – 14:00 - Intervalo para almoço

12:30 – 16:00 – Oficinas
Programação
Inscrições p/ oficinas acontecerão no dia e local


16:00 – 18:00 – INSTITUIÇÕES, GRUPOS E SUBJETIVIDADES
Maria Lívia Nascimento- UFF
Teresa Cristina Carreteiro - UFF
Claudine Blanchard-Laville – Université Paris Ouest Nanterre La Défense
Laurence Gavarini - Université de Paris VIII

18:00 – LANÇAMENTOS DE LIVROS
– Consultar o site: www.slab.uff.br



DIA 14/11 – SEXTA-FEIRA

10:00 – 12:30 – SAÚDE, VIDA E TRABALHO
Hélder Muniz - UFF
Eduardo Passos - UFF
Claudia Osório - UFF
Milton Athayde - UERJ
Maria Elizabeth Barros - UFES

12:30 – 14:00 - Intervalo para almoço

14:00 – 16:00 - Oficinas
Programação
Inscrições p/ oficinas acontecerão no dia e local


16:00 – 18:30 – ARTE E CORPO
Ruth Torralba - mestranda UFF
Márcia Moraes - UFF
Eduardo Lociser - psicanalista
Elizabeth Pacheco - doutoranda PUC-SP
Luiz Fuganti – Escola Nômade/SP


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Comissão Organizadora do Evento:

Alice de Marchi P. de Souza
Ariadna Patricia Alvarez
Cristiane Knijnik
Donati Caleri
Gustavo Duarte de Almeida
Lindomara Gomes Silva
Maria Lívia do Nascimento
Ruth Torralba Ribeiro
Sandro Rodrigues

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quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Pensando sobre a Sociologia da Violência | Thiago Mansur

SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA
De Thiago Sandrini Mansur

Quatro conclusões sobre a “acumulação social” da violência na sociedade brasileira: uma reflexão sobre a sociologia de Michel Misse.

1ª Conclusão: A violência é produto de relações sociais concretas construídas historicamente. Isso significa dizer que a acumulação social da violência é um processo heterogêneo e não-linear; é a partir das transformações históricas, ora com suas rupturas ora com suas continuidades, que a violência adquire forma. Acredito que a evidência disso é a ênfase investida pelo sociólogo Michel Misse (2006) em questões como: (a) “as tradições do banditismo urbano no Rio”: se fica claro que não há identidade entre as figuras do malandro, do marginal e do vagabundo, também se percebe que entre um e outros existem certas semelhanças, como se, apesar da descontinuidade, o “imaginário social” fizesse com que a fronteira entre eles fosse suavizada. Não há identidade nem continuidade entre as maltas de capoeiras e os malandros, do mesmo modo entre estes e a figura do marginal, por exemplo. Cada contexto histórico forma suas próprias figuras. (b) Em conseqüência dessa questão, há diferenças entre os modos de expressão da violência e da criminalidade nos distintos momentos históricos. Dessa forma, o autor mostra inúmeras divergências entre, por um lado, o modo de funcionamento do jogo do bicho e das mercadorias políticas que lhe eram correlatas e, por outro, constituição do “movimento” do tráfico de drogas. Apesar disso, Misse (2006) não nega que, em certos momentos, houvesse convergência entre ambos, como na questão da busca pela delimitação de territórios. Assim, “banqueiros” do jogo do bicho e “gerentes” do tráfico buscavam, cada um à sua maneira e de acordo com seu contexto histórico, delimitar seus espaços (territórios) de atuação. Misse também mostra diferenças entre a constituição do tráfico da maconha e o da cocaína. A formação das redes de tráfico de cocaína – cuja demanda foi produzida a partir da fixação de alguns portos brasileiros como rota internacional de drogas, a partir das décadas de 1970 e 1980 – utilizou como base as redes de movimento da maconha, já constituídas há pelo menos meio século antes. Entretanto, o significado social dessas redes de movimento foi tomando sentidos diferentes ao longo da história.
2ª Conclusão: A violência é vista sob o aspecto econômico-político. A violência, portanto, está intimamente relacionada com as formas de dominação produzidas/reproduzidas historicamente pelas relações sociais concretas. Daí o motivo do autor pensar a violência como uma mercadoria política, melhor dizendo, a violência como prática de dominação que engendra valiosos mercados – o mercado da segurança privada formal e informal, legal e ilegal, por exemplo. Forma-se uma verdadeira prática de gestão das relações sociais através da violência. A partir do que o autor propõe em seu texto, concluímos que não se trata somente de uma economia de mercado, há que se pensar, também, em uma economia subjetiva, isto é, que os indivíduos produzam e reproduzam cotidianamente a violência em suas relações em sociedade. Desse modo, o autor forja o conceito de mercadoria política para explicar a constituição da violência nas relações. Entendo por mercadoria todo produto do trabalho humano realizado em uma sociedade cujo valor pode ser comparado e trocado por um outro trabalho humano, diferente deste primeiro. Um casaco é uma mercadoria, pois é produto do trabalho humano, assim como a proteção, seja formal ou informal, lícita ou ilícita (fornecida pelo Estado, por traficantes ou por uma milícia armada). Com relação ao termo ‘político’, Misse faz questão de salientar que usa tal acepção no sentido amplo de relações de força e poder. Portanto, a mercadoria política seria assim definida pelo autor:
Há um mercado informal cujas trocas combinam especificamente dimensões políticas e econômicas, de tal modo que um recurso (ou um custo) político seja metamorfoseado em valor de troca. O preço das mercadorias (bens ou serviços) desse mercado, por ganhar a autonomia de uma negociação política, passa a depender não apenas das leis de mercado, mas de avaliações estratégicas de poder, de recurso potencial à violência e de equilíbrio de forças, isto é, de avaliações estritamente políticas. Para distinguir a oferta e demanda desses bens e serviços daqueles cujo preço depende fundamentalmente do princípio de mercado, proponho chama-los de ‘mercadorias políticas’ (Misse, 2006, p. 206).

E mais adiante, o autor conclui sendo enfático ao afirmar que toda mercadoria política produz um jogo de dominação:
Proponho, em resumo, chamar de ‘mercadoria política’ toda a mercadoria que combine custos e recursos políticos (expropriados ou não do Estado) para produzir um valor-de-troca político ou econômico (Misse, 2006, p. 209).

3ª Conclusão: O significado da expressão “acumulação social da violência”. Conforme discutido na primeira conclusão a violência não é algo que surge do nada, ao contrário, ela é produto das relações sociais concretas. De acordo com a segunda conclusão, as relações são concretas porque são produzidas historicamente por indivíduos em sociedade: seja ao longo do desenvolvimento histórico, seja em uma época determinada. Há uma acumulação social da violência porque ela é produzida e reproduzida historicamente pelas relações entre os indivíduos em sociedade. Isso mostra o quanto o fenômeno da violência e da criminalidade não é natural, pondo-se em questão sua banalização. Embora a violência permeie, em maior ou menor grau, o desenvolvimento histórico de todas as sociedades, esta relação se constitui com suas particularidades em cada época determinada e em cada sociedade específica. Isto significa dizer que o que determinada sociedade chama de violência não está desvinculado das condições materiais de sua existência.
4ª Conclusão: Trata-se de desterritorializar a violência, isto é, retirar seu lócus da favela ou de determinados bairros/regiões da cidade. Como na música da banda carioca O Rappa:
“O gueto também ilude e seduz com o poder da cocaína,
Que comanda o sucesso nas bocas-de-fumo da esquina,
Mas a favela não é mãe de toda dúvida letal,
Talvez seja de maneira mais direta e radical,
O sol que assola esses jardins suspensos da má distribuição...”
(Catequese do Medo, O Rappa, 1994)

A violência é analisada por sua capacidade de disseminação pelo tecido social, não se concentrando apenas nas favelas (e guetos). Se, por um lado, Misse aponta que a constituição das redes de tráfico de drogas se dá principalmente nas favelas e conjuntos habitacionais do Rio de Janeiro, por outro, ele também evidencia que a criminalidade e a violência não se restringem a essas regiões. Desse modo, a circulação de mercadorias políticas (de proteção e segurança, por exemplo) que alimentam e reproduzem a violência não se situa nas favelas e bairros de periferia. De acordo com essa lógica, há que se pensar nas situações em que os agentes do Estado se apropriam ilegalmente de recursos políticos monopolizados pelo Estado visando à obtenção de vantagens particulares e nos crimes do colarinho branco. Além disso, mesmo nos momentos onde o Estado atua como órgão perpetrador de violência com amparo legal, em minha opinião, ela nunca é legítima. Não se trata somente de pensar a violência como sendo possível de ser localizada em algum lugar ou algum sujeito. Por mais que o indivíduo seja aquele que incorpora a violência através de seus atos e por mais que o índice de homicídios (por exemplo) esteja apontando para um determinado bairro ou região, eles são apenas expressões de relações de dominação, não são fatos. Nesse sentido, penso que os indivíduos não detêm a violência e aplicam-lhe sobre os outros, que seriam suas vítimas; os indivíduos são produtos de relações sociais permeadas e constituídas historicamente pela e na violência. A vítima nasce junto com o algoz.

Referências Bibliográficas
BARROS, Regina Duarte Benevides de; RAUTER, Cristina; PASSOS, Eduardo. Clínica e política: subjetividade e violação dos direitos humanos. Rio de Janeiro: IFB/Te Cora, 2002.
CHAUÍ, Marilena. Ética e violência. Revista Teoria em Debate, São Paulo, n. 39, outubro/dezembro 1998. Disponível em http://www2.fpa.org.br/portal. Acesso em 26/10/2007.
___________. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Cortez, 2003.
FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: DREYFUSS, R. ; RABINOW, P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
___________. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MISSE, Michel. Crime e violência no Brasil contemporâneo. 2006. pp. 137-300.
YUKA, Marcelo. Catequese do medo. In: O Rappa. O Rappa. Rio de Janeiro: Warner Music, 1994. 1 CD, faixa 1. Produção: Fábio Henrique.
WIEVIORKA, M. Para compreender a violência: a hipótese do sujeito. In: WIEVIORKA, M. Em que mundo viveremos. São Paulo: Perspectiva, 2006, pp. 201-223.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Resumo "Quando novos personagens entraram em cena" | Janaina Brito

SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena: experiências e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo 1970-1980. 4.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001.


De Janaina Madeira Brito Stange


Prefácio – Marilena Chauí
Eder Sader mostra como os movimentos sociais produzem um novo sujeito; um sujeito coletivo; um sujeito diferente do moderno que é um sujeito individualista e racional; Sader mostra o “cotidiano popular”, novos lugares para o exercício da política;
(Página 12) - “Que são as migalhas das pequenas das pequenas vitórias das pequenas lutas? São as experiências que os excluídos adquirem de sua presença no campo social e político, de interesses e vontades, de direitos e práticas que vão formando uma história, pois seu conjunto lhes ‘dá a dignidade de um acontecimento histórico’”.

Apresentação – questões que ajudam na organização do método;
Sader entende que estudar o cotidiano é entender um certo alargamento da política; Qual o objeto da pesquisa? Qual a questão da pesquisa? Quais os caminhos da pesquisa?

Cap. 1 – Idéias e Questões
Qual é a linguagem dos MS? De que lugares falam? Que valores defendem? Qual é a originalidade do fenômeno? O MS é uma firmação de setores da sociedade.
Neste capítulo ele organiza suas referências teóricas, também quanto à valorização do discurso, para escuta e análise;

(Página 29) – falando da função dos MS
“Nessa representação a luta social aparece sob forma de pequenos movimentos que, num dado momento, convergem fazendo emergir um sujeito coletivo com visibilidade pública.”

(Página 41) – “O fato é que, pretendendo explicar movimentos sociais por determinações estruturais, os analistas chegam a impasses insolúveis.”

(Página 48) – os MS e o que sinalizam quanto às condições das classes no Brasil
“A constituição dos movimentos sociais implica uma forma particular de elaboração dessas condições (elaboração mental enquanto forma de percebê-la, mas também elaboração prática enquanto transformação dessa existência). Nesse sentido, movimentos sociais operam cortes e combinações de classe, configurações e cruzamentos que não estavam dados previamente.”

Cap. 2 – Sobre as experiências da condição proletária em São Paulo
Sader nos apresenta como as migrações são fenômenos associados às condições de trabalho e nada é pejorativo neste sentido; o desafio que se instala é como os migrantes se assentam nos novos espaçamentos sociais? as migrações para a cidade é sinal de modernidade; sinal logo de desenraizamento;

(Página 110) – estar em desvantagem na relação de poder, não significa entender o popular como idiota; é preciso, antes de fazer colagens interpretativas, se empenhar na tentativa de ouvi-los sobre as aparentes contradições e mascaras que possam eventualmente portar;
“Ou seja, os “manipulados” também “manipulam”. Através da absorção de padrões dominantes eles expressam algo de suas vontades e seus sonhos e é exatamente isso que é necessário saber ouvir”.

(Página 115) – a existência dos MS se relacionam com esta dimensão política-participativa; com uma dimensão da sociabilidade, do encontro social; e com a dimensão humana, de se fazer ouvir em seus anseios e impasses;
“Assistimos tanto ao fechamento de espaços públicos de manifestação política quanto ao fechamento de espaços públicos de convivência social, por onde se coletivizavam experiências sem incidência direta na institucionalidade política.”

Cap. 3 – Matrizes Discursivas – são modos de abordagem da realidade
Também os ANALISADORES podem ser entendidos como modos de abordagem da realidade;

(Página 141) - sobre o cotidiano
“Mas o cotidiano não pode ser pensado como um lugar mítico onde, em sua pureza, os pobres se apresentam como são, libertos de ideologias estranhas. Melhor vê-lo em sua ambigüidade de “conformismo e resistência”, expresso na “consciência fragmentada” da cultura popular.

Questões: Os Projetos Sociais são uma resposta a quê? (Gênese); quais suas ideologias? Quais suas práticas? O que os Projetos Sociais anunciam?

Os movimentos populares nem sempre se ancoraram nos argumentos da democracia, até porque eles existem anteriormente a este regime. Logo pode encontrar na democracia uma força argumentativa, mas eles, antes, sinalizam outras forças – que aí entra meu entendimento do humano;
Neste capítulo Sader analisa os movimentos sindicais, a igreja, e os movimentos populares de bairro; como achei uma analise local, vale o estudo, mas não recolhi citações que se fizessem generalizáveis;

Cap. 4 – Movimentos Sociais
(Página 199) – sobre os MS na década de 70
“Os movimentos sociais tiveram de construir suas identidades enquanto sujeitos políticos precisamente porque elas eram ignoradas nos cenários públicos instituídos. Por isso mesmo o tema da autonomia esteve tão presente em seus discursos. E por isso também a diversidade foi afirmada como manifestação de uma identidade singular e não como sinal de uma carência.”

(Página 215) - “(...) o movimento vai tecendo uma ligação entre o mundo do cotidiano e o mundo da política”.

(Página 216) – a noção de conquistas diferindo da noção de resultados, atuais nas ONGS; isto mostra a diferenciação do protagonismo social; Com as ONGS, na maioria das vezes, os atores são outros, a noção de crescimento também é de outra escala valorativa;
“Os movimentos cresciam em cima das conquistas obtidas (...)”.

(Página 221) – sobre o clube das mães da periferia de SP, como ocorre transformação, movimentos;
“De uma experiência coletiva emergia uma nova idéia de política. Essa nova idéia não lhes veio já elaborada, e as elaborações até então instituídas não lhes serviam. A palavra “política” vinha carregada de conotações que elas rechaçavam. A nova idéia de política estava sendo criada (e a criação desse novo discurso era também a criação de novos sujeitos coletivos)”.

(Página 222) – desnaturalização das condições de vida
“E, ao valorizarem a sua participação na luta por seus direitos, constituíram um movimento social contraposto ao clientelismo característico das relações tradicionais entre os agentes políticos e as camadas subalternas.”

(Página 250) – sobre o sujeito coletivo que é o sindicato
“É nesse quadro que as lutas fabris são assumidas como momentos de auto-afirmação de grupos operários, que vêem nelas o processo de sua constituição como sujeitos políticos. Mas essa atribuição de sentido não pode ser vista como se fosse o ato soberano de um sujeito racional. Ela se realiza no confronto entre diversos agentes – que atribuem significados diversos aos acontecimentos – e no jogo de situações concretas, onde tais significados ganham contornos imprevistos.”

O estudo sobre os sindicatos mostram como é preciso fazer confrontar as for;as motivadoras dos conflitos e os processos institucionalizados;

(Página 275) – sobre o controle da saúde feito pela população
“Mas a maioria viu aí uma forma de aumentar o poder da própria população e, com isso, incidir sobre as relações políticas. Era um outro modo de fazerem a população participar da política, porque não se referia a temas abstratos e uma representação institucional, mas a uma participação direta a partir de um tema concretamente vivido.”

(Página 280) – sobre o sindicado, que será extensivo às ONGS?
“A verdade é que a diretoria eleita esforçou-se para que o sindicato fosse assumido pelos trabalhadores como um órgão de luta e não somente como uma sede com seus serviços assistenciais.”

(Página 299) – o movimento é uma fala
“É evidente que o sindicato não foi estranho às greves que eclodiram em maio. Eram freqüentes as referências de seus dirigentes e assessores a uma greve como única forma de obrigar os empresários a ouvir os reclamos de seus empregados.”

Algumas considerações finais

(Página 313) – as classes populares e os MS
“As classes populares se organizam numa extrema variedade de planos, segundo o lugar de trabalho ou de moradia, segundo algum problema específico que os motiva ou segundo algum princípio comunitário que as agrega.”

“Os movimentos sociais não substituem os partidos nem podem cancelar as formas de representação política. Mas estes já não cobrem todo o espaço da política e perdem sua substância na medida em que não dão conta dessa nova realidade.”

“Apontaram no sentido de uma política constituída a partir das questões da vida cotidiana. Apontaram para uma nova concepção da política, a partir da intervenção direta dos interessados. Coloram a reivindicação da democracia referida às esferas da vida social, em que a população trabalhadora está diretamente implicada: nas fábricas, nos sindicatos, nos serviços públicos e nas administrações dos bairros.”

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

SELEÇÃO | MESTRADO PSICOLOGIA INSTITUCIONAL | 2008/2009

Data: 1º outubro à 27 de outubro de 2008
Local: UFES | CEMUNI de Psicologia | (027)4009-7643
[+] info: www.ufes.br | www.prppg.ufes.br/ppgpsi
.:::. Textos disponíveis na pasta "Seleção 2008/2009 PPGPSI", na xerox Centro de Vivência (próximo ao Cine Metrópolis)

domingo, 5 de outubro de 2008

Nota de rodapé | Juan Pereira

Por que o conceito - a questão do conceito – tanto nos embaraça?

Introdução


Vejamos o que ocorre no lugar (situs) onde eles costumam aparecer. Seria na filosofia como é o costume. 1

Ora, direis: -“Em que a psicologia científica relaciona-se ou bem com a filosofia ou bem com as matemáticas modernas?” No caso, a Geometria Analítica cartesiana. Pelo contrário, causa certa repulsa ao homem de psicologia ter que lidar com as matemáticas. Ou com o discurso segundo o costume dos geômetras – os matemáticos.

Dizemos que nos custou tempo, autores, outro tanto de carne humana para desembarçarmos da filosofia para que ela agora re-apareça na cena?

Esta cisão foi percebida.
De modo algum pela fragilidade argumentativa de historiadores – quer ele (o historiador) adotasse mais empirismo, menos ou mais racionalismo e a plêiade de quaisquer outras posições filosóficas – justamente.
A exceção é – historicamente datada - do muito digno nome de Wilhelm Maximilian Wundt para os títulos de nobreza científica da dita psicologia, para honra e glória das ciências denominadas de hard - no anglicismo hard sciences.

Esta cisão produziu o quadro de miserabilidade atual da Psicologia.

É seguro que a Psicologia – tal como praticada e teorizada - gerou algum conceito?

No que se segue me apoiei na justa, legítima e sacrossanta fúria do filósofo Gilles Deleuze contra os inexoráveis axiomas do capitalismo – permitam-me. [ver 6. João de Patmos, pp.45-63, Crítica e Clínica na tradução de Pelbart. 1993-1997]

Pode-se estabelecer – com certa clareza e equilíbrio instável – um modo mínimo e razoável de tratar a Questão do Conceito, em três tempos: filosofia, poieisis, 2 pensamento.

Tal como neste momento:

“A filosofia não é comunicativa, nem contemplativa ou reflexiva: ela é, por natureza, criadora ou mesmo revolucionária na medida em que não cessa de criar novos conceitos. A única condição é de que eles tenham uma necessidade, mas também uma ‘estrangeiridade’, e eles as têm na medida em que correspondem a verdadeiros problemas. O conceito é o que impede o pensamento de ser uma simples opinião, um conselho, uma discussão, uma conversa (itálicos meus).” 3

São três laços - entrelaçamentos e seus enraizamentos - que insistem e subsistem desde que haja palavra posto que seja próprio do conceito impedir o fluxo alucinado da deriva incessante do pensamento.
Onde? Na Ágora da Doxa e na hemorragia infinda das imagens. Impedir o fluxo do delírio – quer queiram ou não, dos significantes – no espaço aberto da opinião, do senso comum.

Assim: “O conceito é forçosamente um paradoxo”(idem). De outro lado é forçoso admitir que a posição do conceito no discurso da ciência é bem outra, supondo-se que o mínimo de paradoxo seja que “(...) em primeiro lugar ele destrói o bom senso como sentido único (...)[DELEUZE, G. Lógica do sentido p. 3]”. Dado que este é o primeiro passo nos manuais de epistemologia – decerto um bocado depauperante.

Ainda, que o conceito comporte a dimensão do afeto e do percepto é de uma especificidade tal que a Prudência clama manter-nos somente no plano da palavra.
Mas qual via devemos tomar?
Sem equívocos:

“(...) O factício e o simulacro se opõem no coração da modernidade, no ponto em que esta acerta todas as suas contas, assim como se opõem dois modos de destruição: os dois niilismos. Pois há uma grande diferença entre destruir para conservar e perpetuar a ordem restabelecida das representações, dos modelos e das cópias e destruir os modelos e as cópias para instaurar o caos que cria, que faz marchar os simulacros e levantar um fantasma — a mais inocente de todas as destruições, a do platonismo. (itálicos meus....)” DELEUZE, G., Lógica do sentido p. 271]

Se assim é, então, há um axioma que prima pela simulação, mimetismo e logro - o Amor – que da suma teológica de São Tomas de Aquino passando por Santo Agostinho, entre platônicos e aristotélicos - siderou o pensamento filosófico-religioso de corte cristianizado.
Prefiro, hoje, estar com Spinoza ao lado de Deleuze. 4
–“Dizeis então que devemos temer Deus?”
Ora, caso contrário desmorona nossa humilde participação em La Pensée-Deleuze – escrito assim com todas as letras por Fanny Deleuze e Richard Pinhas em algum lugar.
Quão dessemelhante, meu Deus.
...............................
PRÓLOGO

Este conjunto de textos, dos quais alguns são inéditos, outros já publicados, organiza-se em torno de determinados problemas. O pro¬blema de escrever, o escritor, como diz Proust, inventa na língua uma nova língua, uma língua de algum modo estrangeira. Ele traz à luz novas potências gramaticais ou sintáticas. Arrasta a língua para fora de seus sulcos costumeiros, leva-a a delirar. Mas o problema de escre¬ver é também inseparável de um problema de ver e de ouvir: com efeito, quando se cria uma outra língua no interior da língua, a linguagem inteira tende para um limite "assintático", "agramatical", ou que se comunica com seu próprio fora.
O limite não está fora da linguagem, ele é o seu fora: é feito de visões e audições não-linguageiras, mas que só a linguagem torna pos¬síveis. Por isso há uma pintura e uma música próprias da escrita, como efeitos de cores e de sonoridades que se elevam acima das palavras. É através das palavras, entre as palavras, que se vê e se ouve. Beckett falava em "perfurar buracos" na linguagem para ver ou ouvir "o que está escondido atrás". De cada escritor é preciso dizer: é um vidente, um ouvidor, "mal visto mal dito", é um colorista, um músico.
Essas visões, essas audições não são um assunto privado, mas formam as figuras de uma história e de uma geografia incessantemente reinventadas. É o delírio que as inventa, como processo que arrasta as palavras de um extremo a outro do universo. São acontecimentos na fronteira da linguagem. Porém, quando o delírio recai no estado clínico, as palavras em nada mais desembocam, já não se ouve nem se vê coisa alguma através delas, exceto uma noite que perdeu sua histó¬ria, suas cores e seus cantos. A literatura é uma saúde.
Esses problemas traçam um conjunto de caminhos. Os textos aqui apresentados, e os autores considerados, são tais caminhos. Uns são curtos, outros mais longos, mas eles se cruzam, tornam a passar pelos mesmos lugares, aproximam-se ou se separam, cada qual oferece uma vista sobre outros. Alguns são impasses fechados pela doença.
Toda obra é uma viagem, um trajeto, mas que só percorre tal ou qual cami¬nho exterior em virtude dos caminhos e trajetórias interiores que a compõem, que constituem sua paisagem ou seu concerto.
Crítica e Clínica

1 De bom grado eu apostaria alguma coisa em dois acontecimentos – pelo menos: Descartes e sua Geometria Analítica – Apêndice ao seu Discurso Sobre o Método. Discours de la méthode pour bien conduire sa raison, et chercher la verité dans les sciences (discurso do método para bem conduzir sua razão e buscar a verdade nas ciências ). Estou enfatizando o termo discurso, de ocorrência comum no século XVII. Mais recentemente - na minha experiência - Spinoza em Ethica More Geometrico Demonstrata – Ética demonstrada segundo o costume geométrico.
2 Houaiss: pospositivo, do gr. poíésis,eós 'criação; fabricação, confecção; obra poética, poema, poesia', através do lat. poésis,is 'poesia, obra poética, obra em verso'; ocorre em cultismos dos XIX em diante, como galactopoese, hematopoiese/hematopoese, leucopoiese/leucopoese, onomatopoese; os subst. assim formados fazem adj. em –ico: galactopoético, hematopoiético/hematopoético, leucopoiético/leucopoético, onomatopoético; ver poet-
3 DELEUZE, G. in SIGNOS E ACONTECIMENTOS, Entrevista realizada por Raymond Bellour e François Ewald “Magazine Littéraire” nº 257, set./1988. Carlos Henrique de Escobar (ORG.) DOSSIER DELEUZE, HÓLON EDITORIAL. 1991. p. 9.
4 Sem jamais sequer mencionar a questão judaica. Tema caro às estranhas formas de religiosidade que hoje testemunhamos. Confira o cinemático amante etílico Mel Gibson, e seu A Paixão de Cristo.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Acontece na UFES o:

II Encontro de Psicologia e questões contemporâneas
1 2 e 3 de outubro de 2008.
Universidade Federal do Espírito Santo

Programação:
Dia 01/10
8h – 9h | Recepção e Inscrição. (Auditório Manoel Vereza | CCJE)
9h – 9h30 | Abertura

9h30 – 12h30 | Apresentação Cultural com mostra de Vídeo e debate.
15h – 18h | Mesa Redonda I | Os usos da Cidade e produções de subjetividade
- Luís Antônio dos Santos Baptista | UFF
- Representante da Arquitetura Popular
- Representante do MST
- Maria Elizabeth Barros de Barros | UFES (Coordenação de Mesa)

18h | Apresentação Cultural.

Dia 02/10
09h – 12h30 | Oficinas e Fóruns
14h – 18h | Mesa Redonda II | Mídia, Arte e Cultura
- Marcia Medeiros|Diretora de TV
- Valdelino Gonçalves dos Santos Filho | Coord. do curso de Artes/UFES
- Paolette Z. Avellar | Representante do circuito cultura da região de São Pedro
- Leila Domingues | UFES (Coordenação de Mesa)

18h | Apresentação Cultural.

Dia 03/10
09h – 12h | Exibição de vídeos e discussão no Cine Metrópolis.
Prof. Dr. José Maria Coutinho | Secretaria de Cultura de Aracruz

14h – 18h | Mesa Redonda III | Movimentos de Resistência.
- Cecília Coimbra | UFF
- João José Barbosa Sana | Sec. de Segurança Pública de Vitória
- Pe. Savério Paolilo | Pastoral do Menor e Direitos Humanos
- Ana Lúcia Coelho Heckert | UFES (Coordenação de Mesa)

18h | Encerramento, Apresentação Cultural e Confraternização.

Tem se evidenciado nos mais diferentes debates contemporâneos a inseparabilidade entre os usos da cidade e a subjetividade. Propomos pensar menos em termos de seres individuais isolados (com suas personalidades ou estruturas internas) transitando pelas ruas e compondo um somatório coletivo (sociedade como somatório de indivíduos) e mais numa perspectiva que pense o humano em constante formação coletiva, cujos modos de existência são configurados quotidianamente por práticas eminentemente sociais (vetores tecnológicos, econômicos, midiáticos, legais, jurídicos, policiais, ecológicos, etc). O humano é necessariamente fabricado e modelado no registro social. Podemos dizer sinteticamente: NÓS SOMOS NOSSA CIDADE! Nossos corpos, corações, mentes e fazeres são tecidos diariamente pela mídia, nos deslocamentos pela cidade, nos usos dos espaços públicos, nas expressões artísticas, nos movimentos reivindicatórios...

Por tudo isso, consideramos de vital importância promover e ampliar as discussões sobre as imbricações “modos de existência-cidade-acessibilidade-mobilidade-subjetividade-qualidade de vida”, promovendo que tal debate seja o mais democrático possível, no respeito às diversas vozes e diferentes invenções.
Nesse sentido, nosso objetivo principal é compor conversações e parcerias com os usuários das cidades, transpassando os muros das universidades, dos poderes públicos, das instituições e até dos chamados movimentos sociais. Essencial se faz criar espaços de discussão em que se encontrem pessoas proponentes de novas composições cidades-subjetividades e que se construam parcerias de humano para humano, seja ele ambientalista, dona(o)-de-casa, acadêmico(a), técnico(a), morador(a) de periferia, sem-terra...

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

João Nasceu

Galera,
Nasceu o neto de nossa primeira vovó Beth. João nasceu ontem a tarde no RJ. A mãe e o bebê estão bem. Beijo, Ana


Parabéns, Beth!
Dizem que a experiência de ser avó é muito mais gostosa do que a de ser mãe.
Se for verdade, minha cara, vc deve estar num paraíso. Pois minha experiência como mamãe está sendo maravilhosa!
Desejo tudo de bom para as 3 gerações.
bjins
Denise Coelho


Pode soltar fogos e rojões, Beth Barros!!!
Parabéns e que muitas felicidades surjam juntamente com o João!!!
Abraços!
Cleilson!

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Resumo sobre "Exclusão Social e a nova desigualdade" | Janaina Brito

MARTINS, José de Souza Martins. Exclusão Social e a nova desigualdade. 3.ed. São Paulo: Paulos, 1997.

de Janaina Madeira Brito Stange


Introdução

(Página 10) – um alerta, uma responsabilidade a mais
“Como se os muitos aspectos problemáticos da realidade social estivessem à espera de quem os batizasse, lhes desse nome. E não estivessem à espera de quem lhes descobrisse os significados ocultos e ocultados, os mecanismos invisíveis da produção e reprodução da miséria, do sofrimento, das privações”.

(Página 14) – sobre a concepção de exclusão
“Por isso, rigorosamente falando, não existe exclusão: existe contradição, existem vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes; existe o conflito pelo qual a vítima dos processos excludentes proclama seu inconformismo, seu mal-estar, sua revolta, sua esperança, sua força reivindicativa e sua reivindicação corrosiva”.

(Página 16) – a exclusão como conceito, não como sentido do vivido
“O rótulo acaba se sobrepondo ao movimento que parece empurrar as pessoas, os pobres, os fracos, para fora de suas “melhores” e mais justas e “corretas” relações sociais, privando-as dos direitos que dão sentido a essas relações. Quando, de fato, esse movimento as está empurrando para “dentro”, para a condição subalterna de reprodutores mecânicos dos sistema econômico, reprodutores que não reivindiquem nem protestem em face de privações, injustiças, carências.”

(Página18) – exclusão-pobreza
“É preciso, pois, estar atento ao fato de que, mudando o nome de pobreza para exclusão, podemos estar escamoteando o fato de que a pobreza hoje, mais do que mudar de nome, mudou de forma, de âmbito e de conseqüências”.

(Página 20) - (...)“inclusão precária e instável, marginal.”

(Página 21) – “(...) temos de admitir que a idéia de exclusão é pobre e insuficiente. Ela nos lança na cilada de discutir o que não está acontecendo exatamente como sugerimos, impedindo-nos, portanto, de discutir o que de fato acontece: discutimos a exclusão e por isso, deixamos de discutir as formas pobres, insuficientes e, ás vezes, até indecentes de inclusão”.

“A nova desigualdade separa materialmente, mas unifica ideologicamente”.

(Página 22) – a nova desigualdade
“Já as novas categorias sociais geradas pela exclusão degradam o ser humano, retiram-lhe o que é historicamente próprio – a preeminência da construção do gênero humano, do homem livre num reino de justiça e igualdade. Recobrem e anulam o potencial de transformação das classes sociais e, por isso, tendem para a direção contrária, para o conformismo, para o comportamento anticivilizado e reacionário da reoligarquização do poder, do renascimento dos privilégios de alguns como contrapartida da privação de muitos, da violência privada, da nova modalidade de clientelismo que é o clientelismo ideológico derivado da colonização do imaginário do homem comum, especialmente dos pobres, através do consumismo dirigido”.

1- O falso problema da exclusão e o problema social da inclusão marginal

(Página 25) – “(...) não existe exclusão”.
(Página 31) – sobre o Brasil
“Não podemos imaginar uma sociedade constituída de bons e maus, de algozes e vítimas, destituída de contradições, de tensões, de conflitos, de diferenças, de violências”.

(Página 32) – o capitalismo; a inclusão degradante; a população sobrante; re-integração econômica e desintegração moral; a degradação da condição humana;

“O capitalismo na verdade desenraiza e brutaliza a todos, exclui a todos. Na sociedade capitalista essa é uma regra estruturante: todos nós, em vários momentos de nossa vida, e de diferentes modos, dolorosos ou não, fomos desenraizados e excluídos. É próprio dessa lógica de exclusão e inclusão. A sociedade capitalista desenraiza, exclui, para incluir, incluir de outro modo, segundo suas próprias regras, segundo sua própria lógica”.

(Página 35-36) – no Brasil
“Mas está crescendo brutalmente no Brasil uma outra sociedade que é uma sub-humanidade: uma humanidade incorporada através do trabalho precário, do trambique, no pequeno comércio, no setor de serviços mal pagos ou, até mesmo, exclusos etc. O conjunto da sociedade já não é sociedade da produção, mas a sociedade de consumo e da circulação de mercadorias e serviços”.

(Página 37) – a resposta da sociedade; as soluções possíveis; o evidenciar as contradições; e defender contradições que não sejam insuportáveis

“Quando pensamos no alternativo, podemos ver que a população mesma está construindo a alternativa, uma alternativa includente, não uma alternativa que aprofunde o abismo com o existente, não a recusa das contradições da sociedade atual”.

2- Migrações temporárias, problemas para quem?

Aqui ele demonstra como a migração é normalmente caso de polícia, pois se vê com os olhos das classes dominantes; é situação análoga ao risco social; são visões de uma classe sobre a outra, desconhecendo as motivações singulares de quem migra; Neste sentido, as soluções que surgem são as tutelas; As ONGs tutelam (olhar estrangeiro) ou emancipam (luta)!!!! Cuidado com o olhar restarurador que vem do estrangeiro;

3- A questão agrária nos dilemas da governabilidade

A lógica de privilégios está no cerne da cultura brasileira; compõe nossa história; A mão-de-obra superante é produzida desde a Lei de Terras, com seu princípio de compra e venda; Vê-se que os processos de modernização prescinde do homem e gera gentes sobrante e gente em situação de escassez;

(Página 52) – a responsabilidade do Estado brasileiro com a questão agrária, que não se trata unicamente da questão da reforma agrária e ainda nos esclarece sobre os mecanismos complexos da produção da pobreza no país.
“O estado foi profundamente envolvido como gestor dessa política de redistribuição de recursos públicos para o setor privado, de recursos sociais para os setores ricos da população, ricos e poderosos. As características assumidas pelo direito de propriedade no Brasil, sobretudo durante o regime militar, revitalizaram as velhas oligarquias políticas latifundistas e as recolocaram no centro dos mecanismos de poder do país. É o que dá ao Estado brasileiro caráter tão profundamente oligárquico, clientelista e antimoderno”.

O autor entende que os Movimentos Sociais tem a função de colocar os impasses como uma questão política, de denunciar o conflito e a incoerência, de criar o debate e a possibilidade de negociação (diz isso analisando a questão agrária brasileira e a agenda política);

4- O Brasil arcaico contra o Brasil moderno

O autor entende questão social diferente de questão política e chama a atenção para as soluções policiais no lugar da solução social (o que outros, chamam de criminalização);

(Página 59) – a não implicação, afetação com a situação social gera desresponsabilização
“Se o conflito é o conflito do Brasil arcaico e o Brasil moderno, é preciso não esquecer a responsabilidade social das elites e do estado na sua solução. É preciso não esquecer os encargos sociais da modernização. As elites deste país têm demonstrado desde a abolição da escravatura, quando os ex-escravos foram abandonados à própria-sorte e que os trabalhadores e os pobres são considerados residuais e descartáveis”.

5- Mecanismos perversos da exclusão: a questão agrária


(Página 66) – a lógica da terra alimentando a da interdição e da submissão do pobre no Brasil; as alternativas autônomas à submissão, ao sistema hegemônico, são sempre menores, são sempre limitadas. Isso me faz lembrar ao que se orienta de produção de expectativas aos jovens, à inserção no mundo do trabalho. Como se apenas algumas poucos formas hegemônicas de vida, de trabalho, são válidas. São essas que orientam, escolas, projetos educacionais de ONGS. Ou se se produz o alternativo ao hegemônico como esmola ao pobre. À ele só algumas poucas possibilidade. Ao pobre, não cabe criar, inventar formas autônomas e livres desta hegemonia brasileira, que muda a roupagem, mas mantém seu mecanismo duradouro.

“Cessada a escravidão, era necessário criar um mecanismo que tornasse o trabalho nas terras dos fazendeiros o único meio de sobreviver. O direito de propriedade da terra que se implanta no Brasil nesse momento, e em vigência até hoje, tem essencialmente essa finalidade: tornar o trabalho em terra alheia, em terra dos grandes proprietários, o único meio de sobrevivência dos pobres”.

(Página 70) – o impasse histórico: modernidade inconclusa; desenvolvimento econômico excludente; e uma democracia precária e não participativa;
“A nossa modernização tem um estilo próprio: ocorre intensamente na área econômica, até mesmo no campo, sem significativas repercussões no âmbito social e, sobretudo, político. Esse é, ainda hoje, penso, o nosso impasse histórico”.


(Página 72) – a questão são os excedentes populacionais e não as migrações em si
“(...) os homens fazem essa migração temporária e cíclica unicamente para não ser uma boca a mais na casa de origem. Surge, assim, um enorme problema nacional: os excedentes populacionais, a população sobrante, os excluídos, para os quais não existe lugar estável de trabalho e vida, sendo absorvidos pela economia marginal e precariamente”.

(Página 73) – possibilitar a revolução social. A revolução é uma via desta, mas não a única...mas é importante que a promovamos nos diferentes níveis;
“Hoje o mercado de trabalho é muito restrito e seletivo para o volume das massas excedentes de população que estão sendo criadas (...) essa produção de excedentes populacionais cria uma miséria profundamente desumanizadora, que não politiza nem anima a possibilidade da revolução social, antes, a freia”.

(Página 81) – o clientelismo na estrutura da sociedade
“Você pode ir a qualquer lugar do Brasil, para tratar de qualquer assunto, desde problema de saúde até reforma agrária, e, inevitavelmente, encontra pela frente o poder, a presença insidiosa desse pessoal, do político local, do oligarca, que age em função de seus interesses privados e que é incapaz de assumir com impessoalidade as funções sociais do Estado”.

(Página 88) - o imobilismo
“Não há quem se disponha a pensar a necessidade e a urgência dessas transformações. É o que assegura a impunidade dessas elites; elas se sentem seguras de que ninguém irá tirá-las de nossas costas”.

(Página 105) – o cuidado com a restrição da questão social à questão econômica
“É preciso não esquecer que o dimensionamento econômico do mundo moderno, a escala da economia e do lucro, tende a reduzir os problemas sociais à sua dimensão econômica. O capitalismo dos dias de hoje tem soluções econômicas para os problemas sociais que tornam dispensável transformar estes problemas em questões políticas e históricas”.

(Página 114) – sobre o MST
“Só da certo porque a própria população envolvida no movimento está nele, não só porque quer terra, mas também, porque tem um modo de vida como bandeira. Uma mística de como viver, de como o ser humano deve ser”.

(Página 115) “Os movimentos sociais existem enquanto existe uma causa não resolvida. Se o problema se resolve, acaba o movimento. Se ele não se resolve, a tendência é a de que o movimento se institucionalize, se transforme numa organização, como é o caso do MST”.

“À medida que o Movimento dos Sem-Terra questiona o injusto e anti-social regime de propriedade, à medida que, ao reivindicar, cria impasses políticos criativos para os governantes e o Estado, à medida que obriga o Estado, com suas ações concretas de ocupação de terras, de alguma forma, ainda que tangencialmente, a tomar providências protelatórias, a negociar, a fazer reformas tópicas, nessa medida o Movimento questiona o estado oligárquico e latifundista. Assim agindo, o Movimento dos Sem-Terra atua no sentido de democratizar a propriedade da terra e de desimpedir um fator de persistência da mentalidade oligárquica. Nesse sentido ele é essencialmente modernizador, muito mais modernizador do que o capital que se compôs com a grande propriedade fundiária”.

(Página 126) – o possível
“Para Lefebvre, o possível é o eixo da luta e da consciência de quem luta. A utopia é a proposta de uma transformação do mundo alicerçada no possível. A utopia está no residual, está naquilo que não pode ser capturado pelo poder e pelo os que tem poder ”.

6- O significado da criação da comissão pastoral da terra na história social e contemporânea do Brasil


(Página 133) “Eles não conseguiam compreender que os grandes momentos de transformação radical das sociedades humanas tem sido justamente momentos de subversão, em que as relações de poder se invertem, em que os excluídos da participação política passam a ter responsabilidades na condução dos destinos da sociedade inteira”

È importante colocar como princípio a condição humana no cerne das questões sociais; E isso reconhece que (...) os excluídos e os penalizados pela brutalização política e econômica não perdem a sua condição humana com o desenvolvimento capitalista. E por isso, não perdem o direito àquilo que os faz dignos e humanos, que são as condições de sua sobrevivência”. (Página 139)