domingo, 5 de outubro de 2008

Nota de rodapé | Juan Pereira

Por que o conceito - a questão do conceito – tanto nos embaraça?

Introdução


Vejamos o que ocorre no lugar (situs) onde eles costumam aparecer. Seria na filosofia como é o costume. 1

Ora, direis: -“Em que a psicologia científica relaciona-se ou bem com a filosofia ou bem com as matemáticas modernas?” No caso, a Geometria Analítica cartesiana. Pelo contrário, causa certa repulsa ao homem de psicologia ter que lidar com as matemáticas. Ou com o discurso segundo o costume dos geômetras – os matemáticos.

Dizemos que nos custou tempo, autores, outro tanto de carne humana para desembarçarmos da filosofia para que ela agora re-apareça na cena?

Esta cisão foi percebida.
De modo algum pela fragilidade argumentativa de historiadores – quer ele (o historiador) adotasse mais empirismo, menos ou mais racionalismo e a plêiade de quaisquer outras posições filosóficas – justamente.
A exceção é – historicamente datada - do muito digno nome de Wilhelm Maximilian Wundt para os títulos de nobreza científica da dita psicologia, para honra e glória das ciências denominadas de hard - no anglicismo hard sciences.

Esta cisão produziu o quadro de miserabilidade atual da Psicologia.

É seguro que a Psicologia – tal como praticada e teorizada - gerou algum conceito?

No que se segue me apoiei na justa, legítima e sacrossanta fúria do filósofo Gilles Deleuze contra os inexoráveis axiomas do capitalismo – permitam-me. [ver 6. João de Patmos, pp.45-63, Crítica e Clínica na tradução de Pelbart. 1993-1997]

Pode-se estabelecer – com certa clareza e equilíbrio instável – um modo mínimo e razoável de tratar a Questão do Conceito, em três tempos: filosofia, poieisis, 2 pensamento.

Tal como neste momento:

“A filosofia não é comunicativa, nem contemplativa ou reflexiva: ela é, por natureza, criadora ou mesmo revolucionária na medida em que não cessa de criar novos conceitos. A única condição é de que eles tenham uma necessidade, mas também uma ‘estrangeiridade’, e eles as têm na medida em que correspondem a verdadeiros problemas. O conceito é o que impede o pensamento de ser uma simples opinião, um conselho, uma discussão, uma conversa (itálicos meus).” 3

São três laços - entrelaçamentos e seus enraizamentos - que insistem e subsistem desde que haja palavra posto que seja próprio do conceito impedir o fluxo alucinado da deriva incessante do pensamento.
Onde? Na Ágora da Doxa e na hemorragia infinda das imagens. Impedir o fluxo do delírio – quer queiram ou não, dos significantes – no espaço aberto da opinião, do senso comum.

Assim: “O conceito é forçosamente um paradoxo”(idem). De outro lado é forçoso admitir que a posição do conceito no discurso da ciência é bem outra, supondo-se que o mínimo de paradoxo seja que “(...) em primeiro lugar ele destrói o bom senso como sentido único (...)[DELEUZE, G. Lógica do sentido p. 3]”. Dado que este é o primeiro passo nos manuais de epistemologia – decerto um bocado depauperante.

Ainda, que o conceito comporte a dimensão do afeto e do percepto é de uma especificidade tal que a Prudência clama manter-nos somente no plano da palavra.
Mas qual via devemos tomar?
Sem equívocos:

“(...) O factício e o simulacro se opõem no coração da modernidade, no ponto em que esta acerta todas as suas contas, assim como se opõem dois modos de destruição: os dois niilismos. Pois há uma grande diferença entre destruir para conservar e perpetuar a ordem restabelecida das representações, dos modelos e das cópias e destruir os modelos e as cópias para instaurar o caos que cria, que faz marchar os simulacros e levantar um fantasma — a mais inocente de todas as destruições, a do platonismo. (itálicos meus....)” DELEUZE, G., Lógica do sentido p. 271]

Se assim é, então, há um axioma que prima pela simulação, mimetismo e logro - o Amor – que da suma teológica de São Tomas de Aquino passando por Santo Agostinho, entre platônicos e aristotélicos - siderou o pensamento filosófico-religioso de corte cristianizado.
Prefiro, hoje, estar com Spinoza ao lado de Deleuze. 4
–“Dizeis então que devemos temer Deus?”
Ora, caso contrário desmorona nossa humilde participação em La Pensée-Deleuze – escrito assim com todas as letras por Fanny Deleuze e Richard Pinhas em algum lugar.
Quão dessemelhante, meu Deus.
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PRÓLOGO

Este conjunto de textos, dos quais alguns são inéditos, outros já publicados, organiza-se em torno de determinados problemas. O pro¬blema de escrever, o escritor, como diz Proust, inventa na língua uma nova língua, uma língua de algum modo estrangeira. Ele traz à luz novas potências gramaticais ou sintáticas. Arrasta a língua para fora de seus sulcos costumeiros, leva-a a delirar. Mas o problema de escre¬ver é também inseparável de um problema de ver e de ouvir: com efeito, quando se cria uma outra língua no interior da língua, a linguagem inteira tende para um limite "assintático", "agramatical", ou que se comunica com seu próprio fora.
O limite não está fora da linguagem, ele é o seu fora: é feito de visões e audições não-linguageiras, mas que só a linguagem torna pos¬síveis. Por isso há uma pintura e uma música próprias da escrita, como efeitos de cores e de sonoridades que se elevam acima das palavras. É através das palavras, entre as palavras, que se vê e se ouve. Beckett falava em "perfurar buracos" na linguagem para ver ou ouvir "o que está escondido atrás". De cada escritor é preciso dizer: é um vidente, um ouvidor, "mal visto mal dito", é um colorista, um músico.
Essas visões, essas audições não são um assunto privado, mas formam as figuras de uma história e de uma geografia incessantemente reinventadas. É o delírio que as inventa, como processo que arrasta as palavras de um extremo a outro do universo. São acontecimentos na fronteira da linguagem. Porém, quando o delírio recai no estado clínico, as palavras em nada mais desembocam, já não se ouve nem se vê coisa alguma através delas, exceto uma noite que perdeu sua histó¬ria, suas cores e seus cantos. A literatura é uma saúde.
Esses problemas traçam um conjunto de caminhos. Os textos aqui apresentados, e os autores considerados, são tais caminhos. Uns são curtos, outros mais longos, mas eles se cruzam, tornam a passar pelos mesmos lugares, aproximam-se ou se separam, cada qual oferece uma vista sobre outros. Alguns são impasses fechados pela doença.
Toda obra é uma viagem, um trajeto, mas que só percorre tal ou qual cami¬nho exterior em virtude dos caminhos e trajetórias interiores que a compõem, que constituem sua paisagem ou seu concerto.
Crítica e Clínica

1 De bom grado eu apostaria alguma coisa em dois acontecimentos – pelo menos: Descartes e sua Geometria Analítica – Apêndice ao seu Discurso Sobre o Método. Discours de la méthode pour bien conduire sa raison, et chercher la verité dans les sciences (discurso do método para bem conduzir sua razão e buscar a verdade nas ciências ). Estou enfatizando o termo discurso, de ocorrência comum no século XVII. Mais recentemente - na minha experiência - Spinoza em Ethica More Geometrico Demonstrata – Ética demonstrada segundo o costume geométrico.
2 Houaiss: pospositivo, do gr. poíésis,eós 'criação; fabricação, confecção; obra poética, poema, poesia', através do lat. poésis,is 'poesia, obra poética, obra em verso'; ocorre em cultismos dos XIX em diante, como galactopoese, hematopoiese/hematopoese, leucopoiese/leucopoese, onomatopoese; os subst. assim formados fazem adj. em –ico: galactopoético, hematopoiético/hematopoético, leucopoiético/leucopoético, onomatopoético; ver poet-
3 DELEUZE, G. in SIGNOS E ACONTECIMENTOS, Entrevista realizada por Raymond Bellour e François Ewald “Magazine Littéraire” nº 257, set./1988. Carlos Henrique de Escobar (ORG.) DOSSIER DELEUZE, HÓLON EDITORIAL. 1991. p. 9.
4 Sem jamais sequer mencionar a questão judaica. Tema caro às estranhas formas de religiosidade que hoje testemunhamos. Confira o cinemático amante etílico Mel Gibson, e seu A Paixão de Cristo.

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