terça-feira, 14 de junho de 2011

Um Pouco do Alexandre Brito...

Ei Pessoal,

Hoje, graças ao nosso compa. Alexandre Vieira Brito (Turma V), temos novidade! Ele, em seu blog, escreveu diferentes (mas complementares) textos a respeito do Devir, Ética e Memória. Os motivos dessa produção? E precisa ter? :) Uma mistura de ufes, perguntas dos seus alunos, as aulas do mestrado, corredores... Um pouco da vida, né?

Daí, o Alexandre foi tão bacana, mas tão bacana, que fez um 'resumão' - não... ele não jogou naquele aplicativo do Microsoft Word para produzir um resumo - só para colocarmos aqui no nosso Blog. Na íntegra? http://alexandrevbrito.wordpress.com/

Valeu, Alexandre!

DEVIR E MOVIMENTO


Pretendo produzir um pequeno texto sobre ética e memória. A psicanálise e a filosofia têm muito a dizer sobre estes temas. A memória tem de ser pensada um pouco fora do senso-comum, pois dela nada desviamos se continuamos com as cegueiras da obviedade. E como poderíamos em algumas poucas linhas fazer uma composição indissociável entre ética e memória?

Devir! Esse é o grande responsável pelos possíveis rastros das linhas de que traço e que toca nas questões da memória e da ética. Ambos têm partículas de devir. A ética não é apenas uma postura, mas a afirmação do devir. Posto isto, sabemos da recorrência de todos que são provocados – pois a ética e sua aproximação com o devir é sempre uma provoca-ação – ao pensamento sobre a ética logo convocarem a moral para o debate a fim de se fazer esclarecer na aparente oposição entre eles. Fica mais fácil explicar uma coisa quando não se sabe bem o que ela é ou do que se trata afirmando tudo o que ela não é. Pois bem, no campo da ética não há um modelo, e isto precipita a questão das singularidades, e do estilo. O estilo, do latim stilus, significaria uma ‘maneira de escrever na argila com uma vara’. Em casamento com nosso pensamento, a escrita é uma questão de estilo, de algo que é impossível de se aprender, de se apreender. A cada vez que lemos um texto, um poema, um livro ou até mesmo uma frase, ela nunca é capturada completamente. Fecha-se um livro e suas palavras mudam todas de lugar. Uma imagem vale mais do que mil palavras, mas a recíproca é verdadeira. Há ainda o que não é nem palavra nem imagem. Isto é ampliado ao campo da fala, das relações, das invenções, dos enunciados e nas relações com o outro, pois a ética evitaria o preconceito no exercício da afirmação da diferença. Não é diferença enquanto identidades sociais ou identificação, pois isso gera conflitos étnicos, mas diferença em si mesmo. Não tratamos o outro de maneira muito próxima de como tratamos a nós mesmos?

A memória muito deve ao aparelho cerebral. Mas não podemos ler um pensamento, uma imagem recordada ou alucinada em simples termos de sinapses e periféricos. Os fenômenos de linguagem são convocados o tempo inteiro, sendo que a memória pode ser, inclusive, feita pra esquecer. O esquecimento é saudável e necessário ao homem em seu convívio com as inúmeras exigências da vida. Deixamos claro ao leitor que tudo isto tem a ver com desejo e o corpo, mas estes não serão os temas aqui desenvolvidos.

Podemos ter a memória falada, de geração para geração, a memória desenhada nas pedras, escrita e arquivada. Mas nos interessamos e apontamos para uma memória corporal, nisto que apontar não diz sobre a coisa, apenas aponta para ela pelo que indica o indicador, pois dizer e descrever sempre deixa algo de fora. Apontar afirma o que fica de fora, e nisto afirmamos o devir. Não falamos de uma memória em termos de informática, nem de um registro fixo ou marcações bem definidas, assim como os apaixonados tentam eternizar seu encontro com uma lâmina demarcando com um corte a forma de um coração em uma árvore. O coração da árvore não é a mesma memória que inclui em si o devir, as memórias curtas e vivas. Tão vivas que esquecem, modificam, (des)organizam um história, inventam uma existência.

Chamo de memória viva algo que justamente é incapaz de se firmar, o que não impede que ela seja capaz de afirmar. E é apenas isso o que ela faz com muito esmero e por vezes com muita dor. Toda expressão pode ser interpretada como afirmação, e isso a filosofia contemporânea o faz. Memória viva não é um conceito que invento, mas ela encontra-se em outros textos conceituada com outros nomes, pois hoje em dia as invenções estão carregadas de coletividades, em outros termos, o conceito perde a autoria e a identidade de seu autor, mas apenas presentifica-se nele. E esta memória dança sem parar. É a melhor bailarina, e faz performances até mesmo enquanto dormimos. São peças com cenas claras e um tanto obscuras, pois aqui não tendemos a ter uma visão opaca do homem mesmo em nosso otimismo. Diferente de uma memória fixa, ela muda a cada lembrança. Articulam-se de modo que a memória que uma pedra traz em si é incapaz de fazer. São os homens que dão vida à pedra, sendo ela capaz de ficar em seu caminho. Pobre pedra.

Sabendo desta noção mais ou menos esboçada, a ética também é afirmativa, e o que ela afirma, senão a diferença? Ser ético é saber que não existe só você no mundo. Isto não é nada óbvio mesmo para quem trabalha com centenas de pessoas por ano. Afirmar a diferença é saber esquecer. Por incrível que pareça, ética e memória são indissociáveis, e é esta a minha tese neste pequeno texto. Algumas pessoas dizem que preferem esquecer determinados assuntos carregados de afetos que dolorosamente marcaram suas vidas, e não se permitem falar algo sobre isto. Não falar não é sinônimo de esquecimento. Não é porque você nega ou tende a ignorar algo que este algo vai deixar de existir. Nega-se apenas aquilo que existe.

A memória curta não é um problema. Ela ‘desfixa’ qualquer consolidação, como a solidez da pedra, e qualquer lembrança passa pelos trilhos da linguagem e é atualizada. Falou, atualizou! Há ainda uma maneira de negar a existência em prol de um ideal que enforca o atual. O devir desnaturaliza em um instante essas identificações fixas, é o instante em que a coisa perde qualquer identidade, sendo ele mesmo incapturável sequer pelo tempo/espaço. Eu o aproximaria com a noção de um buraco negro da física quântica, que por ser mais veloz que a própria luz, nada reflete, apenas absorve e desconfigura para um infinito, onde tudo é possível, inclusive o nada.

A cada vez que lembramos de algo acerca de nosso trabalho do dia-a-dia, como uma espécie de reflexão, ele muda de orientação; a cada vez que falamos de nosso passado, ele inventa alguma saída, há um acréscimo, assim como uma elaboração; a cada vez que lembramos de uma dor, ela diminiu e somos cada vez mais capazes de nos lançar em uma experiência de satisfação. Este jogo é muito próximo do que a natureza nos presenteia ao escrevermos próximo ao mar e ver uma onda apagar todos traçados feitos na areia, por mais detalhados e profundos que estes sejam. A água e a areia escorrem pelas mãos. Ao caminhar na praia e ver o mar apagar seus passos é a possibilidade de lá, no mesmo lugar, incluir novos passos. É puro movimento, devir e movimento.

Mas isso não diminui a importância do que se escreveu ou das marcas que se fizeram, sendo que agora há uma nova superfície, e toda vez que escrevermos ou tentarmos repetir a arte já desenhada, trata-se de uma nova experiência. Repetição inclui a diferença, e a vida prova isso, com sabores que nem sempre estamos preparados para experimentar.

É um exercício de coragem.


Alexandre Vieira Brito

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